quinta-feira, 22 de agosto de 2013
domingo, 7 de julho de 2013
A Aventura Surrealista
“A Aventura Surrealista (tal como a denomina o próprio Movimento) configura-se por meio de três grandes verticalizações no plano objetivo: a da linguagem (leia-se da Poesia, por intermédio da escrita, das artes, dos objetos, etc.), a do Amor (a do Erotismo, da valoração do feminino e da mulher) e a da Natureza (entendida como o lugar entre o espírito humano e o mundo sensorial, via o chamado ‘saber tradicional’). As quais, permeadas pelo Desejo, ligando-as assim ao Ocultismo e ao princípio mágico das 'correspondências’, abrem-se para um sentido iniciático de apreensão, concepção e exposição do ser, de modo abrupto, numa irrupção, conforme o indica a tradição oriental ou numa ‘iluminação’, como dizia Rimbaud.”
LIMA, Sérgio. A Aventura Surrealista. Tomo 1. Editora da Unicamp; São Paulo: UNESP; Rio de Janeiro: Vozes, 1995. p.27
LIMA, Sérgio. A Aventura Surrealista. Tomo 1. Editora da Unicamp; São Paulo: UNESP; Rio de Janeiro: Vozes, 1995. p.27
O processo de criação de Miró
“[...] agora eu trabalhava com o mínimo de controle possível – pelo menos na primeira fase, a do desenho. Guaches: em cores pastel, com contrastes muito violentos. E mesmo assim, porém, apenas o esboço geral era feito de maneira inconsciente. O resto era cuidadosamente calculado. [...] houve sempre essas três fases – primeiro, a sugestão, em geral do material; segundo, a organização consciente dessas formas; e terceiro, o enriquecimento da composição. [...] Até mesmo algumas pinceladas casuais enquanto limpo os pincéis podem sugerir o início de um quadro. A segunda fase, porém, é cuidadosamente calculada. A primeira
fase é livre, inconsciente; mas depois disso o quadro é totalmente controlado.”
CHIPP, Herschel Browning. Teorias da Arte Moderna / Herschel B. Chipp com a colaboração de Peter Selz e Joshua C. Taylor ; [tradução Waltensir Dutra ...et al.]. – 2ª ed. – São Paulo : Martins Fontes, 1996. – (Coleção a) p.440
fase é livre, inconsciente; mas depois disso o quadro é totalmente controlado.”
CHIPP, Herschel Browning. Teorias da Arte Moderna / Herschel B. Chipp com a colaboração de Peter Selz e Joshua C. Taylor ; [tradução Waltensir Dutra ...et al.]. – 2ª ed. – São Paulo : Martins Fontes, 1996. – (Coleção a) p.440
Fenomenologia do Espírito - Hegel
“179. Para a consciência-de-si há uma outra consciência-de-si [ou seja]: ela veio para fora de si. Isso tem dupla significação: primeiro, ela se perdeu a si mesma, pois se acha numa outra essência. Segundo, com isso ela suprassumiu o Outro, pois não vê o Outro como essência, mas é a si mesma que vê no Outro.”
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Fenomenologia do Espírito. A dialética do senhor e do escravo. - in Textos Básicos de Filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein / Danilo Marcondes. – 2.ed. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000. p. 124
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Fenomenologia do Espírito. A dialética do senhor e do escravo. - in Textos Básicos de Filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein / Danilo Marcondes. – 2.ed. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000. p. 124
“Segredos da Arte Mágica Surrealista - Composição surrealista escrita, ou primeiro e último esboço
Instale-se confortavelmente no lugar mais favorável à concentração de sua mente e faça com que lhe tragam material de escrita. Ponha-se no estado mais passivo ou receptível possível. Abstraia de seu gênio, de seu talento, e também do gênio e do talento dos outros. Diga a si mesmo que a literatura é um dos mais tristes caminhos que levam a tudo. Escreva rápido, sem qualquer assunto pré-concebido, rápido bastante para não reter na memória o que está escrevendo e para não se reler.
A primeira frase surgirá por si mesma, a tal ponto é verdade que, a cada segundo, ocorre uma frase estranha ao nosso pensamento consciente, que mais não quer do que se exteriorizar. É muito difícil pronunciar-se sobre o caso da frase seguinte; ao que tudo indica, ela participa, ao mesmo tempo, de nossa atividade consciente e da outra, se admitirmos que o fato de ter escrito a primeira implica um mínimo de percepção.
Isto, aliás, deve importar-lhe pouco: é nessas coisas que reside a maior parte do interesse suscitado pelo jogo surrealista. É sempre verdade que a pontuação certamente se opõe à continuidade absoluta do fluxo de que nos ocupamos, embora ela pareça tão necessária quanto a distribuição de nós numa corda em vibração. Prossiga enquanto sentir vontade de fazê-lo. Confie no caráter inesgotável do murmúrio. Se o silêncio ameaça estabelecer-se em virtude de um erro seu, minúsculo que seja – um erro, por exemplo, de desatenção –interrompa, sem hesitar, uma linha demasiado clara. Logo depois da palavra cuja origem lhe pareça suspeita escreva uma letra qualquer, a letra l, por exemplo, sempre a letra l, e traga de volta o arbitrário impondo esta letra como inicial à palavra seguinte.”
BRETON, André. Manifestos do Surrealismo / André Breton ; tradução Sergio Pachá. – Rio de Janeiro: Nau Editora, 2001. p.44
A primeira frase surgirá por si mesma, a tal ponto é verdade que, a cada segundo, ocorre uma frase estranha ao nosso pensamento consciente, que mais não quer do que se exteriorizar. É muito difícil pronunciar-se sobre o caso da frase seguinte; ao que tudo indica, ela participa, ao mesmo tempo, de nossa atividade consciente e da outra, se admitirmos que o fato de ter escrito a primeira implica um mínimo de percepção.
Isto, aliás, deve importar-lhe pouco: é nessas coisas que reside a maior parte do interesse suscitado pelo jogo surrealista. É sempre verdade que a pontuação certamente se opõe à continuidade absoluta do fluxo de que nos ocupamos, embora ela pareça tão necessária quanto a distribuição de nós numa corda em vibração. Prossiga enquanto sentir vontade de fazê-lo. Confie no caráter inesgotável do murmúrio. Se o silêncio ameaça estabelecer-se em virtude de um erro seu, minúsculo que seja – um erro, por exemplo, de desatenção –interrompa, sem hesitar, uma linha demasiado clara. Logo depois da palavra cuja origem lhe pareça suspeita escreva uma letra qualquer, a letra l, por exemplo, sempre a letra l, e traga de volta o arbitrário impondo esta letra como inicial à palavra seguinte.”
BRETON, André. Manifestos do Surrealismo / André Breton ; tradução Sergio Pachá. – Rio de Janeiro: Nau Editora, 2001. p.44
Duas
Garanto-lhes a vida eterna
Temperada com molho madeira -
Deixem no banco ao lado os olhos e as orelhas;
Já o nariz é necessário para o aprendiz
Assim como a língua é necessária para os amantes.
Imenso prazer em conhecê-los
Despeço-me com uma canção
Deixo, talvez, algumas viúvas morrendo de emoção
"I left my heart in San Francisco..."
*1930 +2010
Fixe seu olhar cortado na serração cinzenta e fria,
Despeje aquelas lágrimas que só o orvalho conhece,
Esqueça dos arredores míticos que outrora o banharam
Hoje reinicia o ciclo mãe
Doces - os enigmas e as visões
Amanhã: o Nada inverso e nu
Submerso em setores cerebrais
Seus lamentos dizem adeus
E buscam outros carnavais
E, por favor, enlace suas mãos nas minhas
Enquanto é tempo de descanso
- De descaso -
Por hora, casemo-nos
Numa igreja com cúpula napoleônica;
Depois uma cópula com coca-cola e marlboro
No final -
Hiroshima revista
Lá de cima -
E nós, cantando e dançando em ritual pagão
Comemoraremos o novo tempo -
O silêncio se esfregando em nossas mãos
Então...
Paulo de Carvalho Castro
Temperada com molho madeira -
Deixem no banco ao lado os olhos e as orelhas;
Já o nariz é necessário para o aprendiz
Assim como a língua é necessária para os amantes.
Imenso prazer em conhecê-los
Despeço-me com uma canção
Deixo, talvez, algumas viúvas morrendo de emoção
"I left my heart in San Francisco..."
*1930 +2010
Fixe seu olhar cortado na serração cinzenta e fria,
Despeje aquelas lágrimas que só o orvalho conhece,
Esqueça dos arredores míticos que outrora o banharam
Hoje reinicia o ciclo mãe
Doces - os enigmas e as visões
Amanhã: o Nada inverso e nu
Submerso em setores cerebrais
Seus lamentos dizem adeus
E buscam outros carnavais
E, por favor, enlace suas mãos nas minhas
Enquanto é tempo de descanso
- De descaso -
Por hora, casemo-nos
Numa igreja com cúpula napoleônica;
Depois uma cópula com coca-cola e marlboro
No final -
Hiroshima revista
Lá de cima -
E nós, cantando e dançando em ritual pagão
Comemoraremos o novo tempo -
O silêncio se esfregando em nossas mãos
Então...
Paulo de Carvalho Castro
Fadas
Vêm com passos na relva Liberdade & Serenidade de mãos enlaçadas
Cantam as quatro estações e riem como pequenas meninas ainda verdes
E Éluard pareceu-me pisar sobre suas pegadas durante a tempestade anosa
Executado Lorca a cidade chamuscou pensamentos libertinos
Tzara transava com orquídeas & girassóis nas noites amareladas
Enquanto sonhavam Os Amantes de Magritte na Bélgica marginal
Pueris vêm os sonhos! Vêem? Lúdicos como hecatombes gregas!
Liberdade & Serenidade não virão almoçar hoje, Paz adoeceu mas
Pareceu-me que as Sete Virtudes plantaram pecados na terra úmida...
Não criem expectativas, crianças, assim apareceu-me a lua ontem
Chorando com a maquiagem borrada entre um vestígio ou outro
Nuvens & Luzes dançando excitadas o Jazz da Eternidade
Pálpebras transparentes viram! Bateram palmas. Juro-lhes!
Paulo de Carvalho Castro
Su-sussurro
Grito amadorístico num teatro profissional
em favor das peles de onça selecionadas a dedos lulísticos...
Criações metafóricas e eufóricas em enodoáveis Grampos sintéticos
cheios de manchas metálicas ferrugentas...
e lá na mesa posta as Privadas se erguem
e contemplam com seus freios ABS:
silicones mumificados -
como tatuagens em traseiros enrugados de velhas metaleiras frenéticas...
Fingem das cinco tesouras não ter o corte de apenas uma sequer
enquanto figurantes passeiam dançando sapateado jazz
no fundo do palco com cenário expressionista alemão...
Fincando facadas lúdicas nos abandonados corpos de mães
que os rabos mosqueavam ao entardecer...
meio que um quadro em branco
cintilante pincel sujo de sangue
cafeína sobre tela – 14 x 30
na Índia eu seria poeta no lombo do cavalo ornamentado
cruzando silvos em alvas paisagens praianas
(uma amada chamada Ana) beijava-me no pântano
cristas fluindo eflúvios amarelos fluorescentes por fora
relentos Insones catam grão no chão – gramo!
Grifos helenísticos bebem afrodisíacos com constantes ereções
fuzilando-se em bordéis da Quinta-feira feliz feliz!
Meretriz, mais uma champanhe, please!
E o cheiro de maria-fedida empesteia o bar
... conjuguem com urgência o verbo amar...
ou julguem com destreza o ressoar do Aço
Abraços!
Paulo de Carvalho Castro
em favor das peles de onça selecionadas a dedos lulísticos...
Criações metafóricas e eufóricas em enodoáveis Grampos sintéticos
cheios de manchas metálicas ferrugentas...
e lá na mesa posta as Privadas se erguem
e contemplam com seus freios ABS:
silicones mumificados -
como tatuagens em traseiros enrugados de velhas metaleiras frenéticas...
Fingem das cinco tesouras não ter o corte de apenas uma sequer
enquanto figurantes passeiam dançando sapateado jazz
no fundo do palco com cenário expressionista alemão...
Fincando facadas lúdicas nos abandonados corpos de mães
que os rabos mosqueavam ao entardecer...
meio que um quadro em branco
cintilante pincel sujo de sangue
cafeína sobre tela – 14 x 30
na Índia eu seria poeta no lombo do cavalo ornamentado
cruzando silvos em alvas paisagens praianas
(uma amada chamada Ana) beijava-me no pântano
cristas fluindo eflúvios amarelos fluorescentes por fora
relentos Insones catam grão no chão – gramo!
Grifos helenísticos bebem afrodisíacos com constantes ereções
fuzilando-se em bordéis da Quinta-feira feliz feliz!
Meretriz, mais uma champanhe, please!
E o cheiro de maria-fedida empesteia o bar
... conjuguem com urgência o verbo amar...
ou julguem com destreza o ressoar do Aço
Abraços!
Paulo de Carvalho Castro
Crigo e Castime
Os Únicos amestrados e seus alados cavalos também queriam ir rindo para a
singular amplitude,
cancioneiros Achatados ameaçados de extinção e Extintores incendiários
pregavam Jesus na cruz da Luz azul -
cobalto - que chovia ao alto do Arranhado maior ao céu que nada nunca deu ao
meu mérito mesquinho.
Ah! O quanto é mítico... me ligo nisso! 220 volts revira e volta como rabo de
porca, há, não há?
Todos provando fel em conserva por milênios trapezóides na esfera que já era
assim antes de mim -
Assim - chegamos ao mimado Fim estrelado por atores menores que fingem e
que entendem descaradamente;
há Nada que os entediem! Não é, Noé?
Grilos amigos sim! Micos gorilas não! Tudo semeará sêmen e por que não?
será uma explosão pictórica! Vista da janela da cobertura;
Culpados da abertura: Prontifiquem-se...
Mas não é que Moisés diz que não foi ele...
Paulo de Carvalho Castro
singular amplitude,
cancioneiros Achatados ameaçados de extinção e Extintores incendiários
pregavam Jesus na cruz da Luz azul -
cobalto - que chovia ao alto do Arranhado maior ao céu que nada nunca deu ao
meu mérito mesquinho.
Ah! O quanto é mítico... me ligo nisso! 220 volts revira e volta como rabo de
porca, há, não há?
Todos provando fel em conserva por milênios trapezóides na esfera que já era
assim antes de mim -
Assim - chegamos ao mimado Fim estrelado por atores menores que fingem e
que entendem descaradamente;
há Nada que os entediem! Não é, Noé?
Grilos amigos sim! Micos gorilas não! Tudo semeará sêmen e por que não?
será uma explosão pictórica! Vista da janela da cobertura;
Culpados da abertura: Prontifiquem-se...
Mas não é que Moisés diz que não foi ele...
Paulo de Carvalho Castro
Surrealismo
A palavra Surrealismo foi criada pelo poeta Guillaume Apollinaire em 1917, para identificar novas formas de expressão artística. Foi adotada por André Breton para o movimento, por significar a idéia da existência de algo além da realidade percebida.
No Manifesto do Surrealismo, Breton define o surrealismo como:
”SURREALISMO, s.m. Automatismo psíquico em estado puro mediante o qual se propõe exprimir, seja verbalmente, por escrito ou por qualquer outro meio, o funcionamento do pensamento. Ditado do pensamento, suspenso o controle exercido pela razão, alheio a qualquer preocupação estética ou moral. ENCICLOPÉDIA, Filosofia. O Surrealismo baseia-se na crença na realidade superior de certas formas de associação até aqui negligenciadas, na onipotência do sonho, no jogo desinteressado do pensamento. Ele tende a arruinar definitivamente todos os outros mecanismos psíquicos, e a substituí-los na resolução dos principais problemas da existência. Fizeram ato de SURREALISMO ABSOLUTO os Senhores Aragon, Baron, Boiffard, Breton, Carrive, Crevel, Delteil, Desnos, Eluard, Gerard, Limbour, Malkine, Morise, Naville, Noll, Péret, Picon, Soupault, Vitrac. [...] As NOITES de Young são surrealistas do começo ao fim; infelizmente é um padre que fala, um mau padre, sem dúvida, mas um padre. Swift é surrealista na maldade. Sade é surrealista no sadismo. Chateaubriand é surrealista no exotismo. Constant é surrealista em política. Hugo é surrealista quando não é tolo. Desbordes-Valmore é surrealista no amor. Bertrand é surrealista no passado. Rabbe é surrealista na morte. Poe é surrealista na aventura. Baudelaire é surrealista na moral. Rimbaud é surrealista em seu modo de vida e em outras coisas. Mallarmé é surrealista na confidência. Jarry é surrealista no absinto. Nouveau é surrealista no beijo. Saint-Pol-Roux é surrealista no símbolo. Fargue é surrealista na atmosfera. Vaché é surrealista em mim. Reverdy é surrealista em casa. Saint-John Perse é surrealista à distância. Roussel é surrealista na anedota. Etc.”
BRETON, André. Manifestos do Surrealismo / André Breton ; tradução Sergio Pachá. – Rio de Janeiro: Nau Editora, 2001. p.40
No Manifesto do Surrealismo, Breton define o surrealismo como:
”SURREALISMO, s.m. Automatismo psíquico em estado puro mediante o qual se propõe exprimir, seja verbalmente, por escrito ou por qualquer outro meio, o funcionamento do pensamento. Ditado do pensamento, suspenso o controle exercido pela razão, alheio a qualquer preocupação estética ou moral. ENCICLOPÉDIA, Filosofia. O Surrealismo baseia-se na crença na realidade superior de certas formas de associação até aqui negligenciadas, na onipotência do sonho, no jogo desinteressado do pensamento. Ele tende a arruinar definitivamente todos os outros mecanismos psíquicos, e a substituí-los na resolução dos principais problemas da existência. Fizeram ato de SURREALISMO ABSOLUTO os Senhores Aragon, Baron, Boiffard, Breton, Carrive, Crevel, Delteil, Desnos, Eluard, Gerard, Limbour, Malkine, Morise, Naville, Noll, Péret, Picon, Soupault, Vitrac. [...] As NOITES de Young são surrealistas do começo ao fim; infelizmente é um padre que fala, um mau padre, sem dúvida, mas um padre. Swift é surrealista na maldade. Sade é surrealista no sadismo. Chateaubriand é surrealista no exotismo. Constant é surrealista em política. Hugo é surrealista quando não é tolo. Desbordes-Valmore é surrealista no amor. Bertrand é surrealista no passado. Rabbe é surrealista na morte. Poe é surrealista na aventura. Baudelaire é surrealista na moral. Rimbaud é surrealista em seu modo de vida e em outras coisas. Mallarmé é surrealista na confidência. Jarry é surrealista no absinto. Nouveau é surrealista no beijo. Saint-Pol-Roux é surrealista no símbolo. Fargue é surrealista na atmosfera. Vaché é surrealista em mim. Reverdy é surrealista em casa. Saint-John Perse é surrealista à distância. Roussel é surrealista na anedota. Etc.”
BRETON, André. Manifestos do Surrealismo / André Breton ; tradução Sergio Pachá. – Rio de Janeiro: Nau Editora, 2001. p.40
Surrealismo (no dicionário eletrônico Aurélio de Língua Portuguesa):
“Surrealismo = Moderna escola de literatura e arte iniciada em 1924 por André Breton (1896-1966), escritor francês, caracterizada pelo desprezo das construções refletidas ou dos encadeamentos lógicos e pela ativação sistemática do inconsciente e do irracional, do sonho e dos estados mórbidos, valendo-se freqüentemente da psicanálise. Visava, em última instância, a renovação total dos valores artísticos, morais, políticos e filosóficos.
[São preferíveis, porém p. us., as formas super-realismo e supra-realismo.]”
Sendo que do prefixo podemos dizer: sur (do francês) = sobre, em, em direção a, com.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio Eletrônico –
Século XXI. Editora Nova Fronteira, 1999.
[São preferíveis, porém p. us., as formas super-realismo e supra-realismo.]”
Sendo que do prefixo podemos dizer: sur (do francês) = sobre, em, em direção a, com.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio Eletrônico –
Século XXI. Editora Nova Fronteira, 1999.
Inconsciente, criação artística e surrealismo
Segundo Freud¹, o inconsciente mantém um papel importante na criação artística, porém, é impossível capturá-lo de maneira pura, como almejavam os primeiros surrealistas (no Manifesto do Surrealismo de A. Breton). Existiriam dois processos inconscientes, sendo que apenas um deles conseguiria chegar ao consciente, ou seja, ser expresso; ainda assim, sofrendo alterações relevantes, para os fins puristas dos surrealistas utópicos.
“Nas palavras de Lipps [1897, 146 e segs.], deve-se pressupor que o inconsciente é a base geral da vida psíquica. O inconsciente é a esfera mais ampla, que inclui em si a esfera menor do consciente. Tudo o que é consciente tem um estágio preliminar inconsciente, ao passo que aquilo que é inconsciente pode permanecer nesse estágio e, não obstante, reclamar que lhe seja atribuído o valor pleno de um processo psíquico. O inconsciente é a verdadeira realidade psíquica; em sua natureza mais íntima, ele nos é tão desconhecido quanto a realidade do mundo externo, e é tão incompletamente apresentado pelos dados da consciência quanto o é o mundo externo pelas comunicações de nossos órgãos sensoriais. [...] É provável que também nos inclinemos muito a superestimar o caráter consciente da produção intelectual e artística. As comunicações que nos foram fornecidas por alguns dos homens mais altamente produtivos, como Goethe e Helmholtz, mostram, antes, que o que há de essencial e novo em suas criações lhes veio sem premeditação e como um todo quase pronto. Não há nada de estranho que, em outros casos em que se fez necessária uma
concentração de todas as faculdades intelectuais, a atividade consciente também tenha contribuído com sua parcela. Mas é privilégio muito abusado a atividade consciente, sempre que tem alguma participação, ocultar de nós todas as demais atividades. [...] Portanto, há dois tipos de inconsciente, que ainda não foram distinguidos pelos psicólogos. Ambos são inconscientes no sentido empregado pela psicologia, mas, em nosso sentido, um deles, que denominamos de Ics., é também inadmissível à consciência, enquanto ao outro
chamamos Pcs., porque suas excitações — depois de observarem certas regras, é verdade, e talvez apenas depois de passarem por uma nova censura, embora mesmo assim, sem consideração pelo Ics. — conseguem alcançar a consciência. O fato de, para chegarem à consciência, as excitações terem de atravessar uma seqüência fixa ou uma hierarquia de instâncias (o que nos é revelado pelas modificações nelas efetuadas pela censura) permiti-nos construir uma analogia espacial. Descrevemos as relações dos dois sistemas entre si e com a consciência dizendo que o sistema Pcs. situa-se como uma tela entre o sistema Ics. e a consciência. O sistema Pcs. não apenas barra o acesso à consciência, mas também controla o acesso ao poder da motilidade voluntária e tem a seu dispor, para distribuição, uma energia de catexia móvel, parte da qual nos é familiar sob a forma de atenção.”
No que diz respeito à escrita automática, esta não se veria livre de “perturbações” do consciente, ou seja, seria impossível a manifestação do inconsciente puro, e os textos, mesmo que tentassem se ver livres de
preocupações histórico-sociais, ainda conteriam reminiscências delas. Como Freud não julgava possível a manifestação pura do inconsciente, e Breton baseia nesta manifestação a idéia central do movimento, elegendo ao mesmo tempo Freud como uma espécie de ”patrono” surrealista, não é de se espantar as divergências que o fundador da psicanálise teve com o fundador do Surrealismo. Porém, esta divergência amplia-se a outros artistas e processos de criação, como veremos a seguir quando abordarmos a questão
de Salvador Dalí e seu método paranóico-crítico.
Quanto ao método de transcrição dos sonhos, utilizado pelos Surrealistas, haveria os problemas da falta de interpretação e da subjetividade, segundo as teorias freudianas. Para Freud, o sonho seria primeiramente dividido em duas partes:
O sonho em si (união do “texto do sonho” com os símbolos), ao qual ele chamou de “Sonho Manifesto”, e o significado do sonho, que ele nomeou de “Pensamentos Oníricos Latentes”. Os sonhos funcionariam como “escape” para desejos reprimidos, sendo que estes desejos seriam os “Pensamentos Oníricos Latentes”, ou seja, o significado de um sonho; porém, este significado seria “censurado” pelo superego (“instância da personalidade que é responsável pela introdução e manutenção dos pensamentos e comportamentos do indivíduo dentro dos padrões socialmente aceitos e princípios morais vigentes, defendendo-o das pulsões instintivas, suscetíveis de criar sentimentos de culpabilidade”), e transformado de maneira a tornar a mensagem aceitável pelo sonhador. Estas transformações causadas pela “censura” seriam resgatadas pela livre-associação e pela interpretação dos símbolos oníricos.
¹- FREUD, Sigmund. Obras Psicológicas Completas; (F) O inconsciente e a Consciência – Realidade. Edição Standard Brasileira Eletrônica. Imago Editora.
“Nas palavras de Lipps [1897, 146 e segs.], deve-se pressupor que o inconsciente é a base geral da vida psíquica. O inconsciente é a esfera mais ampla, que inclui em si a esfera menor do consciente. Tudo o que é consciente tem um estágio preliminar inconsciente, ao passo que aquilo que é inconsciente pode permanecer nesse estágio e, não obstante, reclamar que lhe seja atribuído o valor pleno de um processo psíquico. O inconsciente é a verdadeira realidade psíquica; em sua natureza mais íntima, ele nos é tão desconhecido quanto a realidade do mundo externo, e é tão incompletamente apresentado pelos dados da consciência quanto o é o mundo externo pelas comunicações de nossos órgãos sensoriais. [...] É provável que também nos inclinemos muito a superestimar o caráter consciente da produção intelectual e artística. As comunicações que nos foram fornecidas por alguns dos homens mais altamente produtivos, como Goethe e Helmholtz, mostram, antes, que o que há de essencial e novo em suas criações lhes veio sem premeditação e como um todo quase pronto. Não há nada de estranho que, em outros casos em que se fez necessária uma
concentração de todas as faculdades intelectuais, a atividade consciente também tenha contribuído com sua parcela. Mas é privilégio muito abusado a atividade consciente, sempre que tem alguma participação, ocultar de nós todas as demais atividades. [...] Portanto, há dois tipos de inconsciente, que ainda não foram distinguidos pelos psicólogos. Ambos são inconscientes no sentido empregado pela psicologia, mas, em nosso sentido, um deles, que denominamos de Ics., é também inadmissível à consciência, enquanto ao outro
chamamos Pcs., porque suas excitações — depois de observarem certas regras, é verdade, e talvez apenas depois de passarem por uma nova censura, embora mesmo assim, sem consideração pelo Ics. — conseguem alcançar a consciência. O fato de, para chegarem à consciência, as excitações terem de atravessar uma seqüência fixa ou uma hierarquia de instâncias (o que nos é revelado pelas modificações nelas efetuadas pela censura) permiti-nos construir uma analogia espacial. Descrevemos as relações dos dois sistemas entre si e com a consciência dizendo que o sistema Pcs. situa-se como uma tela entre o sistema Ics. e a consciência. O sistema Pcs. não apenas barra o acesso à consciência, mas também controla o acesso ao poder da motilidade voluntária e tem a seu dispor, para distribuição, uma energia de catexia móvel, parte da qual nos é familiar sob a forma de atenção.”
No que diz respeito à escrita automática, esta não se veria livre de “perturbações” do consciente, ou seja, seria impossível a manifestação do inconsciente puro, e os textos, mesmo que tentassem se ver livres de
preocupações histórico-sociais, ainda conteriam reminiscências delas. Como Freud não julgava possível a manifestação pura do inconsciente, e Breton baseia nesta manifestação a idéia central do movimento, elegendo ao mesmo tempo Freud como uma espécie de ”patrono” surrealista, não é de se espantar as divergências que o fundador da psicanálise teve com o fundador do Surrealismo. Porém, esta divergência amplia-se a outros artistas e processos de criação, como veremos a seguir quando abordarmos a questão
de Salvador Dalí e seu método paranóico-crítico.
Quanto ao método de transcrição dos sonhos, utilizado pelos Surrealistas, haveria os problemas da falta de interpretação e da subjetividade, segundo as teorias freudianas. Para Freud, o sonho seria primeiramente dividido em duas partes:
O sonho em si (união do “texto do sonho” com os símbolos), ao qual ele chamou de “Sonho Manifesto”, e o significado do sonho, que ele nomeou de “Pensamentos Oníricos Latentes”. Os sonhos funcionariam como “escape” para desejos reprimidos, sendo que estes desejos seriam os “Pensamentos Oníricos Latentes”, ou seja, o significado de um sonho; porém, este significado seria “censurado” pelo superego (“instância da personalidade que é responsável pela introdução e manutenção dos pensamentos e comportamentos do indivíduo dentro dos padrões socialmente aceitos e princípios morais vigentes, defendendo-o das pulsões instintivas, suscetíveis de criar sentimentos de culpabilidade”), e transformado de maneira a tornar a mensagem aceitável pelo sonhador. Estas transformações causadas pela “censura” seriam resgatadas pela livre-associação e pela interpretação dos símbolos oníricos.
¹- FREUD, Sigmund. Obras Psicológicas Completas; (F) O inconsciente e a Consciência – Realidade. Edição Standard Brasileira Eletrônica. Imago Editora.
Intuição e inspiração nos processos criativos
“O consciente racional nunca se desliga das atividades criadoras; constitui um fator
fundamental de elaboração. Retirar o consciente da criação seria mesmo inadmissível, seria
retirar uma das dimensões humanas.”
“[...] Ainda sob a influência do surrealismo europeu e descrente, talvez em
conseqüência da segunda guerra mundial, da racionalidade no homem, esse movimento
[action-painting] postulava o automatismo do gesto como premissa e princípio de criação. O
gesto automático, involuntário, era tido como ação diretamente oriunda do inconsciente e,
assim excluindo o consciente, devia garantir a autenticidade espontânea da obra. Aliás, a
proposta em si é significativa: ela é impossível; é impossível excluir, voluntariamente, a
vontade.”
OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação / Fayga Ostrower. – Petrópolis, Vozes, 1987. – p.55-56
fundamental de elaboração. Retirar o consciente da criação seria mesmo inadmissível, seria
retirar uma das dimensões humanas.”
“[...] Ainda sob a influência do surrealismo europeu e descrente, talvez em
conseqüência da segunda guerra mundial, da racionalidade no homem, esse movimento
[action-painting] postulava o automatismo do gesto como premissa e princípio de criação. O
gesto automático, involuntário, era tido como ação diretamente oriunda do inconsciente e,
assim excluindo o consciente, devia garantir a autenticidade espontânea da obra. Aliás, a
proposta em si é significativa: ela é impossível; é impossível excluir, voluntariamente, a
vontade.”
OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação / Fayga Ostrower. – Petrópolis, Vozes, 1987. – p.55-56
Revolução Noturna e Revolução Diurna
Revolução Noturna:
“Nos primeiros experimentos com a solicitação poética, a escrita automática e a explicação dos sonhos, artigos reais ou imaginários pareciam dotados de uma vida real, própria. Todo objeto era considerado um “ser” perturbador e arbitrário e era creditado como tendo uma existência totalmente independente da atividade do experimentador.”
Revolução Diurna:
“Na segunda fase da experiência surrealista, os experimentadores evidenciaram o desejo de interferir. Esse elemento intencional teve uma tendência cada vez mais acentuada para a verificação concreta e ressaltou as possibilidades de uma crescente relação com o cotidiano.”
Salvador Dalí
“Nos primeiros experimentos com a solicitação poética, a escrita automática e a explicação dos sonhos, artigos reais ou imaginários pareciam dotados de uma vida real, própria. Todo objeto era considerado um “ser” perturbador e arbitrário e era creditado como tendo uma existência totalmente independente da atividade do experimentador.”
Revolução Diurna:
“Na segunda fase da experiência surrealista, os experimentadores evidenciaram o desejo de interferir. Esse elemento intencional teve uma tendência cada vez mais acentuada para a verificação concreta e ressaltou as possibilidades de uma crescente relação com o cotidiano.”
Salvador Dalí
Paradoxo surrealista
“Certamente, desde as primeiras conquistas surrealistas deveríamos ter-nos
perguntado se o abandono à imaginação associativa não precisava ser ultrapassado. Alguns
dentre nós, mais tarde, responderam pela afirmativa. O perigo do automatismo é, sem dúvida
alguma, o de muitas vezes associar apenas relações não-essenciais e cujo conteúdo, dizia
Hegel, “não ultrapassa o que está contido nas imagens”. É justo acrescentar, entretanto, que
se na pesquisa filosófica a lei capital é desconfiar da associação das idéias, o mesmo não
ocorre na criação artística, que é, por essência, intuição sensível. O processo das imagens, o
pasmo ou a angústia do encontro abrem uma via rica em metáforas plásticas: um fogo na neve.
Daí sua atração e sua fragilidade: satisfazer-se com excessiva facilidade e afastar-se ao
mesmo tempo do número e do conhecimento tátil do mundo. [...] Por volta de 1930, cinco anos
após a fundação do surrealismo, aparecia em seu seio um flagelo temível: a demagogia do
irracional. [...] Pobre conquista, essa do irracional pelo irracional; triste imaginação, essa que já
não associa senão elementos usados, na verdade, pela morna razão.”
André Masson
perguntado se o abandono à imaginação associativa não precisava ser ultrapassado. Alguns
dentre nós, mais tarde, responderam pela afirmativa. O perigo do automatismo é, sem dúvida
alguma, o de muitas vezes associar apenas relações não-essenciais e cujo conteúdo, dizia
Hegel, “não ultrapassa o que está contido nas imagens”. É justo acrescentar, entretanto, que
se na pesquisa filosófica a lei capital é desconfiar da associação das idéias, o mesmo não
ocorre na criação artística, que é, por essência, intuição sensível. O processo das imagens, o
pasmo ou a angústia do encontro abrem uma via rica em metáforas plásticas: um fogo na neve.
Daí sua atração e sua fragilidade: satisfazer-se com excessiva facilidade e afastar-se ao
mesmo tempo do número e do conhecimento tátil do mundo. [...] Por volta de 1930, cinco anos
após a fundação do surrealismo, aparecia em seu seio um flagelo temível: a demagogia do
irracional. [...] Pobre conquista, essa do irracional pelo irracional; triste imaginação, essa que já
não associa senão elementos usados, na verdade, pela morna razão.”
André Masson
Surrealismo e novo mundo
“[O Surrealismo] Não se trata de um simples interesse estético pelos conteúdos do inconsciente, mas da integração de todos os estados mentais num mesmo nível de valor expressivo para contribuir com a criação. [...] Mas o surrealismo não se reduz ao automatismo como muitos crêem. Esse é só um método de exploração que o próprio Breton considerou insuficiente.”
MOLINA, Enrique. Surrealismo Novo Mundo - in PONGE, Robert (org.) Surrealismo e novo mundo. Porto Alegre: Ed. Universidade / UFRGS, 1999. p.25
MOLINA, Enrique. Surrealismo Novo Mundo - in PONGE, Robert (org.) Surrealismo e novo mundo. Porto Alegre: Ed. Universidade / UFRGS, 1999. p.25
O surrealismo em Chagall,
“Como em 1922 eu ainda não estava perfeitamente familiarizado com a arte surrealista,
tive a impressão de redescobrir nela o que eu mesmo sentira, de maneira obscura e confusa,
entre os anos de 1908 e 1914. Mas por que, pensei, é necessário proclamar esse suposto
automatismo? Por mais fantástica ou ilógica que a construção de meus quadros possa parecer,
eu ficaria alarmado ao pensar que os havia concebido por meio de uma mistura de
automatismo... Mesmo que por automatismo se tenha conseguido compor alguns quadros bons
ou escrever alguns bons poemas, isso não justifica a sua transformação em método.”
tive a impressão de redescobrir nela o que eu mesmo sentira, de maneira obscura e confusa,
entre os anos de 1908 e 1914. Mas por que, pensei, é necessário proclamar esse suposto
automatismo? Por mais fantástica ou ilógica que a construção de meus quadros possa parecer,
eu ficaria alarmado ao pensar que os havia concebido por meio de uma mistura de
automatismo... Mesmo que por automatismo se tenha conseguido compor alguns quadros bons
ou escrever alguns bons poemas, isso não justifica a sua transformação em método.”
Surrealimo em Sérgio Lima
Tentemos resumir um pouco este conjunto de fatos contraditórios e de vaivéns
históricos, pautados in extenso na cronologia comentada, da seguinte forma: Primeiro – houve
uma aventura ao redor de André Breton, mas não foi ela, na condição de excludente das
outras, a única que constitui a Aventura Surrealista, bem mais próxima da busca mítica do que
parece à primeira vista; vide os argonautas, o ciclo arturiano etc. Segundo – quando Vicente
Aleixandre declara que existe o Surrealismo ligado a Breton e o Surrealismo como um princípio
poético, isso serve, entre outras coisas, para situar dois campos, o da história parisiense e o da
Poesia. [...]”
históricos, pautados in extenso na cronologia comentada, da seguinte forma: Primeiro – houve
uma aventura ao redor de André Breton, mas não foi ela, na condição de excludente das
outras, a única que constitui a Aventura Surrealista, bem mais próxima da busca mítica do que
parece à primeira vista; vide os argonautas, o ciclo arturiano etc. Segundo – quando Vicente
Aleixandre declara que existe o Surrealismo ligado a Breton e o Surrealismo como um princípio
poético, isso serve, entre outras coisas, para situar dois campos, o da história parisiense e o da
Poesia. [...]”
Theodor W. Adorno. REVENDO O SURREALISMO
"Nos escombros do mundo do surrealismo, o em-si do inconsciente não se revela"
O método e a criação literária: uma visão psicanalítica
Resumo
Neste artigo procura-se destacar, a partir de uma perspectiva freudiana, os aspectos que compõem a funcionalidade da escrita no processo de criação literária, tanto no que se refere à natureza do trabalho secundário de transformação pré-consciente/consciente de que resulta o literário, como no que diz respeito à incidência imprevisível e inevitável dos elementos inconscientes na cena da escrita. Nesse sentido, a autora abre uma discussão a respeito dos elementos em jogo na oposição “método versus criação”, ressaltando as propiciações, limites e impasses no interior dessa dimensão dinâmica.
Escrito por Ana Cecília Carvalho
Link
Neste artigo procura-se destacar, a partir de uma perspectiva freudiana, os aspectos que compõem a funcionalidade da escrita no processo de criação literária, tanto no que se refere à natureza do trabalho secundário de transformação pré-consciente/consciente de que resulta o literário, como no que diz respeito à incidência imprevisível e inevitável dos elementos inconscientes na cena da escrita. Nesse sentido, a autora abre uma discussão a respeito dos elementos em jogo na oposição “método versus criação”, ressaltando as propiciações, limites e impasses no interior dessa dimensão dinâmica.
Escrito por Ana Cecília Carvalho
Link
passagem pelo "Retrato de Dorian Gray"
"A única maneira de libertar-se de uma tentação é entregar-se a ela. Resista, e sua alma adoecerá de desejo das coisas que ela a si mesma se proibiu, com o desejo daquilo que suas leis monstruosas tornaram monstruoso e ilícito."
sábado, 2 de fevereiro de 2013
PASSAGEM DAS HORAS
- Álvaro de Campos, 22-5-1916
Como num cofre que se não pode fechar de cheio,
Todos os lugares onde estive,
Todos os portos a que cheguei,
Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias,
Ou de tombadilhos, sonhando,
E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero.
A entrada de Singapura, manhã subindo, cor verde,
O coral das Maldivas em passagem cálida,
Macau à uma hora da noite... Acordo de repente...
Yat-lô--ô-ôôô-ô-ô-ô-ô-ô-ô...Ghi-...
E aquilo soa-me do fundo de uma outra realidade...
A estatura norte-africana quase de Zanzibar ao sol...
Dar-es-Salaam (a saída é difícil)...
Majunga, Nossi-Bé, verduras de Madagascar...
Tempestades em torno ao Guardafui...
E o Cabo da Boa Esperança nítido ao sol da madrugada...
E a Cidade do Cabo com a Montanha da Mesa ao fundo...
Viajei por mais terras do que aquelas em que toquei...
Vi mais paisagens do que aquelas em que pus os olhos...
Experimentei mais sensações do que todas as sensações que senti,
Porque, por mais que sentisse, sempre me faltou que sentir
E a vida sempre me doeu, sempre foi pouco, e eu infeliz.
A certos momentos do dia recordo tudo isto e apavoro-me,
Penso em que é que me ficará desta vida aos bocados, deste auge,
Desta entrada às curvas, deste automóvel à beira da estrada, deste aviso,
Desta turbulência tranqüila de sensações desencontradas,
Desta transfusão, desta insubsistência, desta convergência iriada,
Deste desassossego no fundo de todos os cálices,
Desta angústia no fundo de todos os prazeres,
Desta sociedade antecipada na asa de todas as chávenas,
Deste jogo de cartas fastiento entre o Cabo da Boa Esperança e as Canárias.
Não sei se a vida é pouco ou demais para mim.
Não sei se sinto de mais ou de menos, não sei
Se me falta escrúpulo espiritual, ponto-de-apoio na inteligência,
Consangüinidade com o mistério das coisas, choque
Aos contatos, sangue sob golpes, estremeção aos ruídos,
Ou se há outra significação para isto mais cômoda e feliz.
Seja o que for, era melhor não ter nascido,
Porque, de tão interessante que é a todos os momentos,
A vida chega a doer, a enjoar, a cortar, a roçar, a ranger,
A dar vontade de dar gritos, de dar pulos, de ficar no chão, de sair
Para fora de todas as casas, de todas as lógicas e de todas as sacadas,
E ir ser selvagem para a morte entre árvores e esquecimentos,
Entre tombos, e perigos e ausência de amanhãs,
E tudo isto devia ser qualquer outra coisa mais parecida com o que eu penso,
Com o que eu penso ou sinto, que eu nem sei qual é, ó vida.
Cruzo os braços sobre a mesa, ponho a cabeça sobre os braços,
É preciso querer chorar, mas não sei ir buscar as lágrimas...
Por mais que me esforce por ter uma grande pena de mim, não choro,
Tenho a alma rachada sob o indicador curvo que lhe toca...
Que há de ser de mim? Que há de ser de mim?
Correram o bobo a chicote do palácio, sem razão,
Fizeram o mendigo levantar-se do degrau onde caíra.
Bateram na criança abandonada e tiraram-lhe o pão das mãos.
Oh mágoa imensa do mundo, o que falta é agir...
Tão decadente, tão decadente, tão decadente...
Só estou bem quando ouço música, e nem então.
Jardins do século dezoito antes de 89,
Onde estais vós, que eu quero chorar de qualquer maneira?
Como um bálsamo que não consola senão pela idéia de que é um bálsamo,
A tarde de hoje e de todos os dias pouco a pouco, monótona, cai.
Acenderam as luzes, cai a noite, a vida substitui-se.
Seja de que maneira for, é preciso continuar a viver.
Arde-me a alma como se fosse uma mão, fisicamente.
Estou no caminho de todos e esbarram comigo.
Minha quinta na província,
Haver menos que um comboio, uma diligência e a decisão de partir entre mim e ti.
Assim fico, fico... Eu sou o que sempre quer partir,
E fica sempre, fica sempre, fica sempre,
Até à morte fica, mesmo que parta, fica, fica, fica...
Torna-me humano, ó noite, torna-me fraterno e solícito.
Só humanitariamente é que se pode viver.
Só amando os homens, as ações, a banalidade dos trabalhos,
Só assim - ai de mim! -, só assim se pode viver.
Só assim, o noite, e eu nunca poderei ser assim!
Vi todas as coisas, e maravilhei-me de tudo,
Mas tudo ou sobrou ou foi pouco - não sei qual - e eu sofri.
Vivi todas as emoções, todos os pensamentos, todos os gestos,
E fiquei tão triste como se tivesse querido vivê-los e não conseguisse.
Amei e odiei como toda gente,
Mas para toda a gente isso foi normal e instintivo,
E para mim foi sempre a exceção, o choque, a válvula, o espasmo.
Vem, ó noite, e apaga-me, vem e afoga-me em ti.
Ó carinhosa do Além, senhora do luto infinito,
Mágoa externa na Terra, choro silencioso do Mundo.
Mãe suave e antiga das emoções sem gesto,
Irmã mais velha, virgem e triste, das idéias sem nexo,
Noiva esperando sempre os nossos propósitos incompletos,
A direção constantemente abandonada do nosso destino,
A nossa incerteza pagã sem alegria,
A nossa fraqueza cristã sem fé,
O nosso budismo inerte, sem amor pelas coisas nem êxtases,
A nossa febre, a nossa palidez, a nossa impaciência de fracos,
A nossa vida, o mãe, a nossa perdida vida...
Não sei sentir, não sei ser humano, conviver
De dentro da alma triste com os homens meus irmãos na terra.
Não sei ser útil mesmo sentindo, ser prático, ser quotidiano, nítido,
Ter um lugar na vida, ter um destino entre os homens,
Ter uma obra, uma força, uma vontade, uma horta,
Unia razão para descansar, uma necessidade de me distrair,
Uma cousa vinda diretamente da natureza para mim.
Por isso sê para mim materna, ó noite tranqüila...
Tu, que tiras o mundo ao mundo, tu que és a paz,
Tu que não existes, que és só a ausência da luz,
Tu que não és uma coisa, rim lugar, uma essência, uma vida,
Penélope da teia, amanhã desfeita, da tua escuridão,
Circe irreal dos febris, dos angustiados sem causa,
Vem para mim, ó noite, estende para mim as mãos,
E sê frescor e alívio, o noite, sobre a minha fronte...
'Tu, cuja vinda é tão suave que parece um afastamento,
Cujo fluxo e refluxo de treva, quando a lua bafeja,
Tem ondas de carinho morto, frio de mares de sonho,
Brisas de paisagens supostas para a nossa angústia excessiva...
Tu, palidamente, tu, flébil, tu, liquidamente,
Aroma de morte entre flores, hálito de febre sobre margens,
Tu, rainha, tu, castelã, tu, dona pálida, vem...
Sentir tudo de todas as maneiras,
Viver tudo de todos os lados,
Ser a mesma coisa de todos os modos possíveis ao mesmo tempo,
Realizar em si toda a humanidade de todos os momentos
Num só momento difuso, profuso, completo e longínquo.
Eu quero ser sempre aquilo com quem simpatizo,
Eu torno-me sempre, mais tarde ou mais cedo,
Aquilo com quem simpatizo, seja uma pedra ou uma ânsia,
Seja uma flor ou uma idéia abstrata,
Seja uma multidão ou um modo de compreender Deus.
E eu simpatizo com tudo, vivo de tudo em tudo.
São-me simpáticos os homens superiores porque são superiores,
E são-me simpáticos os homens inferiores porque são superiores também,
Porque ser inferior é diferente de ser superior,
E por isso é uma superioridade a certos momentos de visão.
Simpatizo com alguns homens pelas suas qualidades de caráter,
E simpatizo com outros pela sua falta dessas qualidades,
E com outros ainda simpatizo por simpatizar com eles,
E há momentos absolutamente orgânicos em que esses são todos os homens.
Sim, como sou rei absoluto na minha simpatia,
Basta que ela exista para que tenha razão de ser.
Estreito ao meu peito arfante, num abraço comovido,
(No mesmo abraço comovido)
O homem que dá a camisa ao pobre que desconhece,
O soldado que morre pela pátria sem saber o que é pátria,
E o matricida, o fratricida, o incestuoso, o violador de crianças,
O ladrão de estradas, o salteador dos mares,
O gatuno de carteiras, a sombra que espera nas vielas
Todos são a minha amante predileta pelo menos um momento na vida.
Beijo na boca todas as prostitutas,
Beijo sobre os olhos todos os souteneurs,
A minha passividade jaz aos pés de todos os assassinos
E a minha capa à espanhola esconde a retirada a todos os ladrões.
Tudo é a razão de ser da minha vida.
Cometi todos os crimes,
Vivi dentro de todos os crimes
(Eu próprio fui, não um nem o outro no vicio,
Mas o próprio vício-pessoa praticado entre eles,
E dessas são as horas mais arco-de-triunfo da minha vida).
Multipliquei-me, para me sentir,
Para me sentir, precisei sentir tudo,
Transbordei, não fiz senão extravasar-me,
Despi-me, entreguei-rne,
E há em cada canto da minha alma um altar a um deus diferente.
Os braços de todos os atletas apertaram-me subitamente feminino,
E eu só de pensar nisso desmaiei entre músculos supostos.
Foram dados na minha boca os beijos de todos os encontros,
Acenaram no meu coração os lenços de todas as despedidas,
Todos os chamamentos obscenos de gesto e olhares
Batem-me em cheio em todo o corpo com sede nos centros sexuais.
Fui todos os ascetas, todos os postos-de-parte, todos os como que esquecidos,
E todos os pederastas - absolutamente todos (não faltou nenhum).
Rendez-vous a vermelho e negro no fundo-inferno da minha alma!
(Freddie, eu chamava-te Baby, porque tu eras louro, branco e eu amava-te,
Quantas imperatrizes por reinar e princesas destronadas tu foste para mim!)
Mary, com quem eu lia Burns em dias tristes como sentir-se viver,
Mary, mal tu sabes quantos casais honestos, quantas famílias felizes,
Viveram em ti os meus olhos e o meu braço cingido e a minha consciência incerta,
A sua vida pacata, as suas casas suburbanas com jardim,
Os seus half-holidays inesperados...
Mary, eu sou infeliz...
Freddie, eu sou infeliz...
Oh, vós todos, todos vós, casuais, demorados,
Quantas vezes tereis pensado em pensar em mim, sem que o fósseis,
Ah, quão pouco eu fui no que sois, quão pouco, quão pouco
Sim, e o que tenho eu sido, o meu subjetivo universo,
Ó meu sol, meu luar, minhas estrelas, meu momento,
Ó parte externa de mim perdida em labirintos de Deus!
Passa tudo, todas as coisas num desfile por mim dentro,
E todas as cidades do mundo, rumorejam-se dentro de mim ...
Meu coração tribunal, meu coração mercado,
Meu coração sala da Bolsa, meu coração balcão de Banco,
Meu coração rendez-vous de toda a humanidade,
Meu coração banco de jardim público, hospedaria,
Estalagem, calabouço número qualquer cousa
(Aqui estuvo el Manolo en vísperas de ir al patíbulo)
Meu coração clube, sala, platéia, capacho, guichet, portaló,
Ponte, cancela, excursão, marcha, viagem, leilão, feira, arraial,
Meu coração postigo,
Meu coração encomenda,
Meu coração carta, bagagem, satisfação, entrega,
Meu coração a margem, o lirrite, a súmula, o índice,
Eh-lá, eh-lá, eh-lá, bazar o meu coração.
Todos os amantes beijaram-se na minh'alma,
Todos os vadios dormiram um momento em cima de mim,
Todos os desprezados encostaram-se um momento ao meu ombro,
Atravessaram a rua, ao meu braço, todos os velhos e os doentes,
E houve um segredo que me disseram todos os assassinos.
(Aquela cujo sorriso sugere a paz que eu não tenho,
Em cujo baixar-de-olhos há uma paisagem da Holanda,
Com as cabeças femininas coiffées de lin
E todo o esforço quotidiano de um povo pacífico e limpo...
Aquela que é o anel deixado em cima da cômoda,
E a fita entalada com o fechar da gaveta,
Fita cor-de-rosa, não gosto da cor mas da fita entalada,
Assim como não gosto da vida, mas gosto de senti-la ...
Dormir como um cão corrido no caminho, ao sol,
Definitivamente para todo o resto do Universo,
E que os carros me passem por cima.)
Fui para a cama com todos os sentimentos,
Fui souteneur de todas ás emoções,
Pagaram-me bebidas todos os acasos das sensações,
Troquei olhares com todos os motivos de agir,
Estive mão em mão com todos os impulsos para partir,
Febre imensa das horas!
Angústia da forja das emoções!
Raiva, espuma, a imensidão que não cabe no meu lenço,
A cadela a uivar de noite,
O tanque da quinta a passear à roda da minha insônia,
O bosque como foi à tarde, quando lá passeamos, a rosa,
A madeixa indiferente, o musgo, os pinheiros,
Toda a raiva de não conter isto tudo, de não deter isto tudo,
Ó fome abstrata das coisas, cio impotente dos momentos,
Orgia intelectual de sentir a vida!
Obter tudo por suficiência divina
As vésperas, os consentimentos, os avisos,
As cousas belas da vida
O talento, a virtude, a impunidade,
A tendência para acompanhar os outros a casa,
A situação de passageiro,
A conveniência em embarcar já para ter lugar,
E falta sempre uma coisa, um copo, uma brisa, urna frase,
E a vida dói quanto mais se goza e quanto mais se inventa.
Poder rir, rir, rir despejadamente,
Rir como um copo entornado,
Absolutamente doido só por sentir,
Absolutamente roto por me roçar contra as coisas,
Ferido na boca por morder coisas,
Com as unhas em sangue por me agarrar a coisas,
E depois dêem-me a cela que quiserem que eu me lembrarei da vida.
Sentir tudo de todas as maneiras,
Ter todas as opiniões,
Ser sincero contradizendo-se a cada minuto,
Desagradar a si próprio pela plena liberalidade de espírito,
E amar as coisas como Deus.
Eu, que sou mais irmão de uma árvore que de um operário,
Eu, que sinto mais a dor suposta do mar ao bater na praia
Que a dor real das crianças em quem batem
(Ah, como isto deve ser falso, pobres crianças em quem batem
E por que é que as minhas sensações se revezam tão depressa?)
Eu, enfim, que sou um diálogo continuo,
Um falar-alto incompreensível, alta-noite na torre,
Quando os sinos oscilam vagamente sem que mão lhes toque
E faz pena saber que há vida que viver amanhã.
Eu, enfim, literalmente eu,
E eu metaforicamente também,
Eu, o poeta sensacionista, enviado do Acaso
As leis irrepreensíveis da Vida,
Eu, o fumador de cigarros por profissão adequada,
O indivíduo que fuma ópio, que toma absinto, mas que, enfim,
Prefere pensar em fumar ópio a fumá-lo
E acha mais seu olhar para o absinto a beber que bebê-lo...
Eu, este degenerado superior sem arquivos na alma,
Sem personalidade com valor declarado,
Eu, o investigador solene das coisas fúteis,
Que era capaz de ir viver na Sibéria só por embirrar com isso,
E que acho que não faz mal não ligar importâricia à pátria
Porqtie não tenho raiz, como uma árvore, e portanto não tenho raiz
Eu, que tantas vezes me sinto tão real como uma metáfora,
Como uma frase escrita por um doente no livro da rapariga que encontrou no terraço,
Ou uma partida de xadrez no convés dum transatlântico,
Eu, a ama que empurra os perambulators em todos os jardins públicos,
Eu, o policia que a olha, parado para trás na álea,
Eu, a criança no carro, que acena à sua inconsciência lúcida com um coral com guizos.
Eu, a paisagem por detrás disto tudo, a paz citadina
Coada através das árvores do jardim público,
Eu, o que os espera a todos em casa,
Eu, o que eles encontram na rua,
Eu, o que eles não sabem de si próprios,
Eu, aquela coisa em que estás pensando e te marca esse sorriso,
Eu, o contraditório, o fictício, o aranzel, a espuma,
O cartaz posto agora, as ancas da francesa, o olhar do padre,
O largo onde se encontram as suas ruas e os chauffeurs dormem contra os carros,
A cicatriz do sargento mal encarado,
O sebo na gola do explicador doente que volta para casa,
A chávena que era por onde o pequenito que morreu bebia sempre,
E tem uma falha na asa (e tudo isto cabe num coração de mãe e enche-o)...
Eu, o ditado de francês da pequenita que mexe nas ligas,
Eu, os pés que se tocam por baixo do bridge sob o lustre,
Eu, a carta escondida, o calor do lenço, a sacada com a janela entreaberta,
O portão de serviço onde a criada fala com os desejos do primo,
O sacana do José que prometeu vir e não veio
E a gente tinha uma partida para lhe fazer...
Eu, tudo isto, e além disto o resto do mundo...
Tanta coisa, as portas que se abrem, e a razão por que elas se abrem,
E as coisas que já fizeram as mãos que abrem as portas...
Eu, a infelicidade-nata de todas as expressões,
A impossibilidade de exprimir todos os sentimentos,
Sem que haja uma lápida no cemitério para o irmão de tudo isto,
E o que parece não querer dizer nada sempre quer dizer qualquer cousa...
Sim, eu, o engenheiro naval que sou supersticioso como uma camponesa madrinha,
E uso monóculo para não parecer igual à idéia real que faço de mim,
Que levo às vezes três horas a vestir-me e nem por isso acho isso natural,
Mas acho-o metafísico e se me batem à porta zango-me,
Não tanto por me interromperem a gravata como por ficar sabendo que há a vida...
Sim, enfim, eu o destinatário das cartas lacradas,
O baú das iniciais gastas,
A entonação das vozes que nunca ouviremos mais -
Deus guarda isso tudo no Mistério, e às vezes sentimo-lo
E a vida pesa de repente e faz muito frio mais perto que o corpo.
A Brígida prima da minha tia,
O general em que elas falavam - general quando elas eram pequenas,
E a vida era guerra civil a todas as esquinas...
Vive le mélodrame oú Margot a pleuré!
Caem as folhas secas no chão irregularmente,
Mas o fato é que sempre é outono no outono,
E o inverno vem depois fatalmente,
há só um caminho para a vida, que é a vida...
Esse velho insignificante, mas que ainda conheceu os românticos,
Esse opúsculo político do tempo das revoluções constitucionais,
E a dor que tudo isso deixa, sem que se saiba a razão
Nem haja para chorar tudo mais razão que senti-lo.
Viro todos os dias todas as esquinas de todas as ruas,
E sempre que estou pensando numa coisa, estou pensando noutra.
Não me subordino senão por atavisnio,
E há sempre razões para emigrar para quem não está de cama.
Das serrasses de todos os cafés de todas as cidades
Acessíveis à imaginação
Reparo para a vida que passa, sigo-a sem me mexer,
Pertenço-lhe sem tirar um gesto da algibeira,
Nem tomar nota do que vi para depois fingir que o vi.
No automóvel amarelo a mulher definitiva de alguém passa,
Vou ao lado dela sem ela saber.
No trottoir imediato eles encontram-se por um acaso combinado,
Mas antes de o encontro deles lá estar já eu estava com eles lá.
Não há maneira de se esquivarem a encontrar-me,
Não há modo de eu não estar em toda a parte.
O meu privilégio é tudo
(Brevetée, Sans Garantie de Dieu, a minh'Alma).
Assisto a tudo e definitivamente.
Não há jóia para mulher que não seja comprada por mim e para mim,
Não há intenção de estar esperando que não seja minha de qualquer maneira,
Não há resultado de conversa que não seja meu por acaso,
Não há toque de sino em Lisboa há trinta anos, noite de S. Carlos há cinqüenta
Que não seja para mim por uma galantaria deposta.
Fui educado pela Imaginação,
Viajei pela mão dela sempre,
Amei, odiei, falei, pensei sempre por isso,
E todos os dias têm essa janela por diante,
E todas as horas parecem minhas dessa maneira.
Cavalgada explosiva, explodida, como uma bomba que rebenta,
Cavalgada rebentando para todos os lados ao mesmo tempo,
Cavalgada por cima do espaço, salto por cima do tempo,
Galga, cavalo eléctron-íon, sistema solar resumido
Por dentro da ação dos êmbolos, por fora do giro dos volantes.
Dentro dos êmbolos, tornado velocidade abstrata e louca,
Ajo a ferro e velocidade, vaivém, loucura, raiva contida,
Atado ao rasto de todos os volantes giro assombrosas horas,
E todo o universo range, estraleja e estropia-se em mim.
Ho-ho-ho-ho-ho!...
Cada vez mais depressa, cada vez mais com o espírito adiante do corpo
Adiante da própria idéia veloz do corpo projetado,
Com o espírito atrás adiante do corpo, sombra, chispa,
He-la-ho-ho ... Helahoho ...
Toda a energia é a mesma e toda a natureza é o mesmo...
A seiva da seiva das árvores é a mesma energia que mexe
As rodas da locomotiva, as rodas do elétrico, os volantes dos Diesel,
E um carro puxado a mulas ou a gasolina é puxado pela mesma coisa.
Raiva panteísta de sentir em mim formidandamente,
Com todos os meus sentidos em ebulição, com todos os meus poros em fumo,
Que tudo é uma só velocidade, uma só energia, uma só divina linha
De si para si, parada a ciciar violências de velocidade louca...
Ho ----
Ave, salve, viva a unidade veloz de tudo!
Ave, salve, viva a igualdade de tudo em seta!
Ave, salve, viva a grande máquina universo!
Ave, que sois o mesmo, árvores, máquinas, leis!
Ave, que sois o mesmo, vermes, êmbolos, idéias abstratas,
A mesma seiva vos enche, a mesma seiva vos torna,
A mesma coisa sois, e o resto é por fora e falso,
O resto, o estático resto que fica nos olhos que param,
Mas não nos meus nervos motor de explosão a óleos pesados ou leves,
Não nos meus nervos todas as máquinas, todos os sistemas de engrenagem,
Nos meus nervos locomotiva, carro elétrico, automóvel, debulhadora a vapor
Nos meus nervos máquina marítima, Diesel, semi-Diesel,
Campbell, Nos meus nervos instalação absoluta a vapor, a gás, a óleo e a eletricidade,
Máquina universal movida por correias de todos os momentos!
Todas as madrugadas são a madrugada e a vida.
Todas as auroras raiam no mesmo lugar:
Infinito...
Todas as alegrias de ave vêm da mesma garganta,
Todos os estremecimentos de folhas são da mesma árvore,
E todos os que se levantam cedo para ir trabalhar
Vão da mesma casa para a mesma fábrica por o mesmo caminho...
Rola, bola grande, formigueiro de consciências, terra,
Rola, auroreada, entardecida, a prumo sob sóis, noturna,
Rola no espaço abstrato, na noite mal iluminada realmente
Rola ...
Sinto na minha cabeça a velocidade de giro da terra,
E todos os países e todas as pessoas giram dentro de mim,
Centrífuga ânsia, raiva de ir por os ares até aos astros
Bate pancadas de encontro ao interior do meu crânio,
Põe-me alfinetes vendados por toda a consciência do meu corpo,
Faz-me levantar-me mil vezes e dirigir-me para Abstrato,
Para inencontrável, Ali sem restrições nenhumas,
A Meta invisível todos os pontos onde eu não estou e ao mesmo tempo ...
Ah, não estar parado nem a andar,
Não estar deitado nem de pé,
Nem acordado nem a dormir,
Nem aqui nem noutro ponto qualquer,
Resol,,,er a equação desta inquietação prolixa,
Saber onde estar para poder estar em toda a parte,
Saber onde deitar-me para estar passeando por todas as ruas ...
Ho-ho-ho-ho-ho-ho-ho
Cavalgada alada de mim por cima de todas as coisas,
Cavalgada estalada de mim por baixo de todas as coisas,
Cavalgada alada e estalada de mim por causa de todas as coisas ...
Hup-la por cima das árvores, hup-la por baixo dos tanques,
Hup-la contra as paredes, hup-la raspando nos troncos,
Hup-la no ar, hup-la no vento, hup-la, hup-la nas praias,
Numa velocidade crescente, insistente, violenta,
Hup-la hup-la hup-la hup-la ...
Cavalgada panteísta de mim por dentro de todas as coisas,
Cavalgada energética por dentro de todas as energias,
Cavalgada de mim por dentro do carvão que se queima, da lâmpada que arde,
Clarim claro da manhã ao fundo
Do semicírculo frio do horizonte,
Tênue clarim longínquo como bandeiras incertas
Desfraldadas para além de onde as cores são visíveis ...
Clarim trêmulo, poeira parada, onde a noite cessa,
Poeira de ouro parada no fundo da visibilidade ...
Carro que chia limpidamente, vapor que apita,
Guindaste que começa a girar no meu ouvido,
Tosse seca, nova do que sai de casa,
Leve arrepio matutino na alegria de viver,
Gargalhada súbita velada pela bruma exterior não sei como,
Costureira fadada para pior que a manhã que sente,
Operário tísico desfeito para feliz nesta hora
Inevitavelmente vital,
Em que o relevo das coisas é suave, certo e simpático,
Em que os muros são frescos ao contacto da mão, e as casas
Abrem aqu; e ali os olhos cortinados a branco...
Toda a madrugada é uma colina que oscila,
...................................................................
... e caminha tudo
Para a hora cheia de luz em que as lojas baixam as pálpebras
E rumor tráfego carroça comboio eu sinto sol estruge
Vertigem do meio-dia emoldurada a vertigens
Sol dos vértices e nos... da minha visão estriada,
Do rodopio parado da minha retentiva seca,
Do abrumado clarão fixo da minha consciência de viver.
Rumor tráfego carroça comboio carros eu sinto sol rua,
Aros caixotes trolley loja rua i,itrines saia olhos
Rapidamente calhas carroças caixotes rua atravessar rua
Passeio lojistas "perdão" rua
Rua a passear por mim a passear pela rua por mim
Tudo espelhos as lojas de cá dentro das lojas de lá
A velocidade dos carros ao contrário nos espelhos oblíquos das montras,
O chão no ar o sol por baixo dos pés rua regas flores no cesto rua
O meu passado rua estremece camion rua não me recordo rua
Eu de cabeça pra baixo no centro da minha consciência de mim
Rua sem poder encontrar uma sensação só de cada vez rua
Rua pra trás e pra diante debaixo dos meus pés
Rua em X em Y em Z por dentro dos meus braços
Rua pelo meu monóculo em círculos de cinematógrafo pequeno,
Caleidoscópio em curvas iriadas nítidas rua.
Bebedeira da rua e de sentir ver ouvir tudo ao mesmo tempo.
Bater das fontes de estar vindo para cá ao mesmo tempo que vou para lá.
Comboio parte-te de encontro ao resguardo da linha de desvio!
Vapor navega direito ao cais e racha-te contra ele!
Automóvel guiado pela loucura de todo o universo precipita-te
Por todos os precipícios abaixo
E choca-te, trz!, esfrangalha-te no fundo do meu coração!
À moi, todos os objetos projéteis!
À moi, todos os objetos direções!
À moi, todos os objetos invisíveis de velozes!
Batam-me, trespassem-me, ultrapassem-me!
Sou eu que me bato, que me trespasso, que me ultrapasso!
A raiva de todos os ímpetos fecha em círculo-mim!
Hela-hoho comboio, automóvel, aeroplano minhas ânsias,
Velocidade entra por todas as idéias dentro,
Choca de encontro a todos os sonhos e parte-os,
Chamusca todos os ideais humanitários e úteis,
Atropela todos os sentimentos normais, decentes, concordantes,
Colhe no giro do teu volante vertiginoso e pesado
Os corpos de todas as filosofias, os tropos de todos os poemas,
Esfrangalha-os e fica só tu, volante abstrato nos ares,
Senhor supremo da hora européia, metálico a cio.
Vamos, que a cavalgada não tenha fim nem em Deus!
...............................................................
...............................................................
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...............................................................
Dói-me a imaginação não sei como, mas é ela que dói,
Declina dentro de mim o sol no alto do céu.
Começa a tender a entardecer no azul e nos meus nervos.
Vamos ó cavalgada, quem mais me consegues tornar?
Eu que, veloz, voraz, comilão da energia abstrata,
Queria comer, beber, esfolar e arranhar o mundo,
Eu, que só me contentaria com calcar o universo aos pés,
Calcar, calcar, calcar até não sentir.
Eu, sinto que ficou fora do que imaginei tudo o que quis,
Que embora eu quisesse tudo, tudo me faltou.
Cavalgada desmantelada por cima de todos os cimos,
Cavalgada desarticulada por baixo de todos os poços,
Cavalgada vôo, cavalgada seta, cavalgada pensamento-relâmpago,
Cavalgada eu, cavalgada eu, cavalgada o universo eu.
Helahoho-o-o-o-o-o-o-o ...
Meu ser elástico, mola, agulha, trepidação ...
quarta-feira, 30 de janeiro de 2013
A vida das formigas
http://vimeo.com/13703448#at=0
Colônias de formiga estão entre as construções mais admiradas pelos biólogos pela sua complexidade e eficiência. Entretanto, mostrar o que acontece dentro de uma colônia não é uma tarefa simples, mas o francês François Vautier conseguiu fazer isso de maneira bastante eficiente.
Ele pegou um scanner de mesa velho e nele “instalou” uma colônia de formigas, deixando que elas fizessem o restante do trabalho. Durante cinco anos ele capturou imagens uma vez por semana e, após esse período, ordenou as fotos em forma de passagem do tempo.
O resultado final é um vídeo curioso e belíssimo, que mostra como as formigas criam as suas estruturas internas de trabalho e de que maneira elas destroem tudo o que veem pela frente. Vale a pena conferir o curta.
Leia mais em: http://www.tecmundo.com.br/mega-curioso/20507-video-mostra-5-anos-na-vida-de-uma-colonia-de-formigas.htm#ixzz2JSawky5k
Arte! Nada mais!
Ensinar é uma arte! Ensinar é Arte! Arte!
Viver é uma arte! Viver é arte! Arte!
Transmitir é uma arte! Transmitir é arte! Arte!
Às crianças chamamos arteiras. Elas não conhecem e entendem outra linguagem.
Arte! Arte! Arte! Nada mais!
Viver é uma arte! Viver é arte! Arte!
Transmitir é uma arte! Transmitir é arte! Arte!
Às crianças chamamos arteiras. Elas não conhecem e entendem outra linguagem.
Arte! Arte! Arte! Nada mais!
A mando de Exu
ao inimigo não se vira as costas
ao inimigo não se rejeita
com o inimigo guerreamos
a guerra é a mãe de toda paz
"quem vai nessa caminhada, encontra em Deus perdão"
É possível ser o inimigo
...
É possível também ser Deus!
terça-feira, 29 de janeiro de 2013
"Era Tudo Uma Coisa Só: Mário, Pedra e Lago"
Olhos de mergulho sobreceleste
Olhar arpoador de cores voadoras
Altitude extrema de ver a luz
Pela primeira única última vez
Ouvidos ponto final da fonte do som
Ouvir tudo de tanta desarmonia pura
Altitude extrema de ouvir o vento
Antes durante nunca mais ventar
Mãos em férias: prêmio da contemplação
Gestos potenciais de imóveis sementes
Em cristais de sonhos mais segredos
Alma ou mulher no homem apenas corpo
Poesia desfeita de dor nervos pó
Na altitude extrema do silêncio Deus
Olhar arpoador de cores voadoras
Altitude extrema de ver a luz
Pela primeira única última vez
Ouvidos ponto final da fonte do som
Ouvir tudo de tanta desarmonia pura
Altitude extrema de ouvir o vento
Antes durante nunca mais ventar
Mãos em férias: prêmio da contemplação
Gestos potenciais de imóveis sementes
Em cristais de sonhos mais segredos
Alma ou mulher no homem apenas corpo
Poesia desfeita de dor nervos pó
Na altitude extrema do silêncio Deus
quinta-feira, 24 de janeiro de 2013
Madrugada
Um leve tremor precede a madrugada
Quando mar e céu na mesma cor se azulam
E são mais claras as luzes dos barcos pescadores
E para além de insânias e rumores
A nossa vida se vê extasiada.
Sophia de Mello Breyner Andressen
Quando mar e céu na mesma cor se azulam
E são mais claras as luzes dos barcos pescadores
E para além de insânias e rumores
A nossa vida se vê extasiada.
Sophia de Mello Breyner Andressen
quarta-feira, 23 de janeiro de 2013
desenho III
estercos recalcados nos calcários sob auroras boreais despencam e invadem os charcos encharcando as latitudes e longitudes dos indefinidos seres sem corpo crível
redemoinhos de lagos vermelhos com suas esfinges catastróficas apresentam enigmas desafiadores devorando os pés andantes dos que nas encostas cotidianas de asfalto azul petróleo passeiam contemplando a beleza da paisagem local
abrindo caminho por qualquer não-caminho neblinas adentram espaços com sua força líquida e transparente
sem nada temerem nos ultrapassam bruscas tocando inclusive o olho que tudo pensa
a madrugada se abre ao dia e volta a ser noite
o homem pensa pra poder ser ainda não sendo
mas ainda existe vida
ah
existe vida ainda que cinza nos marejados olhos tocados por neblinas incolores
redemoinhos de lagos vermelhos com suas esfinges catastróficas apresentam enigmas desafiadores devorando os pés andantes dos que nas encostas cotidianas de asfalto azul petróleo passeiam contemplando a beleza da paisagem local
abrindo caminho por qualquer não-caminho neblinas adentram espaços com sua força líquida e transparente
sem nada temerem nos ultrapassam bruscas tocando inclusive o olho que tudo pensa
a madrugada se abre ao dia e volta a ser noite
o homem pensa pra poder ser ainda não sendo
mas ainda existe vida
ah
existe vida ainda que cinza nos marejados olhos tocados por neblinas incolores
terça-feira, 22 de janeiro de 2013
porque segredo é segredo
Segredo é uma informação valiosa, mas que se for tornada pública pode comprometer algo ou alguém
- “Quando mocinhas, elas podiam escrever seus pensamento e estados d´alma (em prosa e em verso) nos diários de capa acetinada com vagas pinturas representando flores ou pombinhos brancos levando um coração no bico. Nos diários mais simples, cromos coloridos de cestinhos floridos ou crianças abraçadas a um cachorro. Depois de casadas, não tinha mais sentido pensar sequer em guardar segredos, que segredo de uma mulher casada só podia ser bandalheira. Restava o recurso do cadernão do dia-a-dia, onde, de mistura com os gastos da casa cuidadosamente anotados e somados no fim do mês, elas ousavam escrever alguma lembrança ou confissão que se juntava na linha adiante com o preço do pó de café e da cebola.”
- "Saber encontrar a alegria na alegria dos outros, é o segredo da felicidade". Georges Bernanos -
-
-
- a frase acima me lembrou dessa abaixo:
"A felicidade só é verdadeira se for compartilhada" de Christopher McCandless.
e também dessa piada que o Zizek conta:
tendo sofrido um naufrágio, um homem vê-se abandonado e isolado numa ilha com uma atriz bonita e famosa. Eles fazem sexo. ao terminarem ele pede encarecidamente que ela se vista de homem (pede também para que ela não se impressione com o pedido). Estando ela vestida de homem ele a diz:
_ meu amigo, vc não vai acreditar se eu te disser com quem eu transei esta noite!
pra fechar a sequência...
"O homem disse que tinha de ir embora – antes queria me ensinar uma coisa muito importante:
- - Você quer conhecer o segredo de ser um menino feliz para o resto de sua vida?
- - Quero – respondi.
- O segredo se resume em três palavras, que ele pronunciou com intensidade, mãos nos meus ombros e olhos nos meus olhos: - Pense nos outros."
- - Fernando Sabino; "O menino no Espelho"
- a frase acima me lembrou dessa abaixo:
-
o segredo da palavra - da palavra segredo
- "Quando digo eu sou capixaba, noto que a maioria não sabe o que quer dizer, mas não fico brava e explico logo o significado da palavra. Muita gente acha que o capixaba é uma espécie de mineiro ou de baiano, ou não tem idéia do que seja. Mas isso é porque o Espírito Santo é um segredo que o Brasil ainda não conhece – e por isso faço questão de falar sobre a minha terra em cada show."
- - Elisa Lucinda; Revista Século Diário, 2001
- "Matei alguns de meus pacientes por um excesso de audácia que curou outros. Uma recaída ou uma melhora importavam-me sobretudo enquanto uma confirmação de um prognóstico ou prova da eficácia de um método terapêutico. Ciência e contemplação não são em absoluto suficientes, irmão Henrique, se não se transmudam em poder: o povo tem razão quando vê em nós os adeptos de uma magia branca ou negra. Fazer durar o que passa, adiantar ou atrasar a hora prescrita, apoderar-se dos segredos da morte para lutar contra ela, servi-se de fórmulas naturais para ajudar ou frustrar a natureza, dominar o mundo e o homem, fazê-los, talvez criá-los..."
- "A água anônima sabe todos os segredos. A mesma lembrança sai de todas as fontes."
- - Gaston Bachelard; "A Água e os Sonhos"
sobre os significantes
"Existe um outro tipo de tentação, mais perigosa ainda. Essa é a doença da curiosidade (...) É ela que nos leva a tentar descobrir os segredos da natureza, aqueles segredos que estão além da nossa compreensão, que não nos podem trazer nada e que os homens não devem desejar aprender (...) Nessa imensa selva, cheia de armadilhas e perigos, eu tenho me afastado, e me mantido longe desses espinhos. No meio de todas essas coisas que flutuam incessantemente à minha volta no dia a dia, nada jamais me surpreende, e eu nunca sou tomado por um desejo genuíno de estudá-las (...) Eu não sonho mais com as estrelas".
"A sabedoria pertence a apreensão intelectual das coisas eternas, para conhecimento, a apreensão racional das coisas temporais."
"Milagres não são contrários à natureza, mas apenas contrários ao que nós sabemos sobre a natureza."
"O Espírito da virtude de um sacramento é como a luz; embora passe pelas impurezas, não se poluí."
"Amar o pecador e odiar o pecado"
Agostinho
"A sabedoria pertence a apreensão intelectual das coisas eternas, para conhecimento, a apreensão racional das coisas temporais."
"Milagres não são contrários à natureza, mas apenas contrários ao que nós sabemos sobre a natureza."
"O Espírito da virtude de um sacramento é como a luz; embora passe pelas impurezas, não se poluí."
"Amar o pecador e odiar o pecado"
Agostinho
desenho I
aquele pedaço se chocou no outro. era o momento. um momento. inesperado. o corte. a carne exposta, ferida aberta. nada a dizer além d grito expresso, arrancado, instantâneo, por isso findo. agora o que ficara era aquilo. e uma dor que não conseguia dizer. não era dizível. mesmo assim, porque desde cedo a teimosia era seu dom, sua atração por precipícios lisérgicos o fez tentar... era mentira. uma mentira gostosamente verdadeira.
havia um prazer inexplicável de animal, canibal de si mesmo, eliminando qualquer externalidade exigida. não havia platéia! não há. nunca houve. somente aquilo que restava como um sem nome. uma possibilidade de casca seca, chupada. marca que vai contornando um buraco aberto. cicatriz que não lembrará se tiver sorte de um não novo choque ali, bem ali.
e uma sensação de gargalhar lúcida olhou a peculiar forma daquilo que era uma pele morta.
havia um prazer inexplicável de animal, canibal de si mesmo, eliminando qualquer externalidade exigida. não havia platéia! não há. nunca houve. somente aquilo que restava como um sem nome. uma possibilidade de casca seca, chupada. marca que vai contornando um buraco aberto. cicatriz que não lembrará se tiver sorte de um não novo choque ali, bem ali.
e uma sensação de gargalhar lúcida olhou a peculiar forma daquilo que era uma pele morta.
A Gaia Ciência - Nietzsche
Ainda tenho orelhas? Não sou senão uma orelha e nada mais? Em meio ao ardor da ressaca, cujo retorno espumoso das flamas brancas jorra até meus pés - estas não são senão uivos, ameaças, gritos estridentes que me assaltam, enquanto em seu antro mais profundo, o antigo abalador da terra canta surdamente a sua ária como um touro que muge: fazendo isso, com seu pé sísmico, ele bate até tal ponto que treme o coração dos demônios dessas rochas esboroadas. Então, como surgido do nada, diante do portal desse labirinto infernal, aparece, distante apenas algumas braças, um grande veleiro, que passa num silencioso deslizamento fantasmal. Oh, beleza fantasmal! Que encanto exerce sobre mim? O que é? Este esquife carregaria consigo o repouso taciturno do mundo? Minha própria felicidade se assenta lá, neste lugar tranquilo - meu eu mais feliz, meu segundo eu-mesmo eternizado? Não ainda morto, mas já não mais vivendo? Deslizando e flutuando, um ser intermediário, espectral, silencioso e visionário? Semelhante ao navio, que com suas velas brancas plana sobre o mar como uma gigante borboleta? Ah! Planar sobre a existência! É isto, é isto de que se precisa! Teria, pois, este tumulto feito de mim um fantasioso? Toda grande agitação nos leva a imaginar a felicidade na calma e no longínquo. Quando um homem, às voltas com seu próprio tumulto, se encontra em meio à ressaca de seus lances e projetos, então, sem dúvida, ele vê também deslizarem diante de si os seres encantados e silenciosos, dos quais cobiça a felicidade e o retraimento - estas são as mulheres.
desenho II
em meio à reuniões de extraordinários indivíduos de narizes longos e contorcidos em formato de umbigo, caminhávamos desligadamente desgovernados como os loucos aleatórios a brincar. dançando de nuvem em nuvem até que se condense um temporal de raios para atingir-partindo-tudo-que-é-um -ao-meio-e-do-meio-ao-meio...a té que impelido ao desconhecido caco-à-caco rabisque desenhos ainda inexplorados do viver.
...infernos e céus unindo-se por uma linha de horizonte estendida ao infinito possibilitando desenhos próprios, singulares - a arte do futuro: o desenho!
...infernos e céus unindo-se por uma linha de horizonte estendida ao infinito possibilitando desenhos próprios, singulares - a arte do futuro: o desenho!
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