domingo, 7 de julho de 2013

Inconsciente, criação artística e surrealismo

Segundo Freud¹, o inconsciente mantém um papel importante na criação artística, porém, é impossível capturá-lo de maneira pura, como almejavam os primeiros surrealistas (no Manifesto do Surrealismo de A. Breton). Existiriam dois processos inconscientes, sendo que apenas um deles conseguiria chegar ao consciente, ou seja, ser expresso; ainda assim, sofrendo alterações relevantes, para os fins puristas dos surrealistas utópicos.
“Nas palavras de Lipps [1897, 146 e segs.], deve-se pressupor que o inconsciente é a base geral da vida psíquica. O inconsciente é a esfera mais ampla, que inclui em si a esfera menor do consciente. Tudo o que é consciente tem um estágio preliminar inconsciente, ao passo que aquilo que é inconsciente pode permanecer nesse estágio e, não obstante, reclamar que lhe seja atribuído o valor pleno de um processo psíquico. O inconsciente é a verdadeira realidade psíquica; em sua natureza mais íntima, ele nos é tão desconhecido quanto a realidade do mundo externo, e é tão incompletamente apresentado pelos dados da consciência quanto o é o mundo externo pelas comunicações de nossos órgãos sensoriais. [...] É provável que também nos inclinemos muito a superestimar o caráter consciente da produção intelectual e artística. As comunicações que nos foram fornecidas por alguns dos homens mais altamente produtivos, como Goethe e Helmholtz, mostram, antes, que o que há de essencial e novo em suas criações lhes veio sem premeditação e como um todo quase pronto. Não há nada de estranho que, em outros casos em que se fez necessária uma
concentração de todas as faculdades intelectuais, a atividade consciente também tenha contribuído com sua parcela. Mas é privilégio muito abusado a atividade consciente, sempre que tem alguma participação, ocultar de nós todas as demais atividades. [...] Portanto, há dois tipos de inconsciente, que ainda não foram distinguidos pelos psicólogos. Ambos são inconscientes no sentido empregado pela psicologia, mas, em nosso sentido, um deles, que denominamos de Ics., é também inadmissível à consciência, enquanto ao outro
chamamos Pcs., porque suas excitações — depois de observarem certas regras, é verdade, e talvez apenas depois de passarem por uma nova censura, embora mesmo assim, sem consideração pelo Ics. — conseguem alcançar a consciência. O fato de, para chegarem à consciência, as excitações terem de atravessar uma seqüência fixa ou uma hierarquia de instâncias (o que nos é revelado pelas modificações nelas efetuadas pela censura) permiti-nos construir uma analogia espacial. Descrevemos as relações dos dois sistemas entre si e com a consciência dizendo que o sistema Pcs. situa-se como uma tela entre o sistema Ics. e a consciência. O sistema Pcs. não apenas barra o acesso à consciência, mas também controla o acesso ao poder da motilidade voluntária e tem a seu dispor, para distribuição, uma energia de catexia móvel, parte da qual nos é familiar sob a forma de atenção.”

No que diz respeito à escrita automática, esta não se veria livre de “perturbações” do consciente, ou seja, seria impossível a manifestação do inconsciente puro, e os textos, mesmo que tentassem se ver livres de
preocupações histórico-sociais, ainda conteriam reminiscências delas. Como Freud não julgava possível a manifestação pura do inconsciente, e Breton baseia nesta manifestação a idéia central do movimento, elegendo ao mesmo tempo Freud como uma espécie de ”patrono” surrealista, não é de se espantar as divergências que o fundador da psicanálise teve com o fundador do Surrealismo. Porém, esta divergência amplia-se a outros artistas e processos de criação, como veremos a seguir quando abordarmos a questão
de Salvador Dalí e seu método paranóico-crítico.
Quanto ao método de transcrição dos sonhos, utilizado pelos Surrealistas, haveria os problemas da falta de interpretação e da subjetividade, segundo as teorias freudianas. Para Freud, o sonho seria primeiramente dividido em duas partes:
O sonho em si (união do “texto do sonho” com os símbolos), ao qual ele chamou de “Sonho Manifesto”, e o significado do sonho, que ele nomeou de “Pensamentos Oníricos Latentes”. Os sonhos funcionariam como “escape” para desejos reprimidos, sendo que estes desejos seriam os “Pensamentos Oníricos Latentes”, ou seja, o significado de um sonho; porém, este significado seria “censurado” pelo superego (“instância da personalidade que é responsável pela introdução e manutenção dos pensamentos e comportamentos do indivíduo dentro dos padrões socialmente aceitos e princípios morais vigentes, defendendo-o das pulsões instintivas, suscetíveis de criar sentimentos de culpabilidade”), e transformado de maneira a tornar a mensagem aceitável pelo sonhador. Estas transformações causadas pela “censura” seriam resgatadas pela livre-associação e pela interpretação dos símbolos oníricos.

¹- FREUD, Sigmund. Obras Psicológicas Completas; (F) O inconsciente e a Consciência – Realidade. Edição Standard Brasileira Eletrônica. Imago Editora.



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