terça-feira, 22 de janeiro de 2013
A Gaia Ciência - Nietzsche
Ainda tenho orelhas? Não sou senão uma orelha e nada mais? Em meio ao ardor da ressaca, cujo retorno espumoso das flamas brancas jorra até meus pés - estas não são senão uivos, ameaças, gritos estridentes que me assaltam, enquanto em seu antro mais profundo, o antigo abalador da terra canta surdamente a sua ária como um touro que muge: fazendo isso, com seu pé sísmico, ele bate até tal ponto que treme o coração dos demônios dessas rochas esboroadas. Então, como surgido do nada, diante do portal desse labirinto infernal, aparece, distante apenas algumas braças, um grande veleiro, que passa num silencioso deslizamento fantasmal. Oh, beleza fantasmal! Que encanto exerce sobre mim? O que é? Este esquife carregaria consigo o repouso taciturno do mundo? Minha própria felicidade se assenta lá, neste lugar tranquilo - meu eu mais feliz, meu segundo eu-mesmo eternizado? Não ainda morto, mas já não mais vivendo? Deslizando e flutuando, um ser intermediário, espectral, silencioso e visionário? Semelhante ao navio, que com suas velas brancas plana sobre o mar como uma gigante borboleta? Ah! Planar sobre a existência! É isto, é isto de que se precisa! Teria, pois, este tumulto feito de mim um fantasioso? Toda grande agitação nos leva a imaginar a felicidade na calma e no longínquo. Quando um homem, às voltas com seu próprio tumulto, se encontra em meio à ressaca de seus lances e projetos, então, sem dúvida, ele vê também deslizarem diante de si os seres encantados e silenciosos, dos quais cobiça a felicidade e o retraimento - estas são as mulheres.
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