Instale-se confortavelmente no lugar mais favorável à concentração de sua mente e faça com que lhe tragam material de escrita. Ponha-se no estado mais passivo ou receptível possível. Abstraia de seu gênio, de seu talento, e também do gênio e do talento dos outros. Diga a si mesmo que a literatura é um dos mais tristes caminhos que levam a tudo. Escreva rápido, sem qualquer assunto pré-concebido, rápido bastante para não reter na memória o que está escrevendo e para não se reler.
A primeira frase surgirá por si mesma, a tal ponto é verdade que, a cada segundo, ocorre uma frase estranha ao nosso pensamento consciente, que mais não quer do que se exteriorizar. É muito difícil pronunciar-se sobre o caso da frase seguinte; ao que tudo indica, ela participa, ao mesmo tempo, de nossa atividade consciente e da outra, se admitirmos que o fato de ter escrito a primeira implica um mínimo de percepção.
Isto, aliás, deve importar-lhe pouco: é nessas coisas que reside a maior parte do interesse suscitado pelo jogo surrealista. É sempre verdade que a pontuação certamente se opõe à continuidade absoluta do fluxo de que nos ocupamos, embora ela pareça tão necessária quanto a distribuição de nós numa corda em vibração. Prossiga enquanto sentir vontade de fazê-lo. Confie no caráter inesgotável do murmúrio. Se o silêncio ameaça estabelecer-se em virtude de um erro seu, minúsculo que seja – um erro, por exemplo, de desatenção –interrompa, sem hesitar, uma linha demasiado clara. Logo depois da palavra cuja origem lhe pareça suspeita escreva uma letra qualquer, a letra l, por exemplo, sempre a letra l, e traga de volta o arbitrário impondo esta letra como inicial à palavra seguinte.”
BRETON, André. Manifestos do Surrealismo / André Breton ; tradução Sergio Pachá. – Rio de Janeiro: Nau Editora, 2001. p.44
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