quinta-feira, 19 de maio de 2011

Rudolf Nureyev dança "L'Après-midi d'un Faune", de Debussy

Poema de Stéphane Mallarmé, "A tarde de um fauno", ilustrado por Édouard Manet, que inspirou a música homônima de Claude Debussy.


Nureyev é um prodígio que tornou a dança uma arte difícil mas possível de ser conquistada. Podemos ver neste vídeo uma disciplina artística rigorosa, que consegue misturar o primitivo e o refinado audaciosamente!


domingo, 8 de maio de 2011

Brasil Soul Power: história do funk e do soul music no Brasil

Este vídeo narra a ascensão da alma e do funk no Brasil a partir de gravações de Tim Maia e Banda Black Rio às danças acionada por DJs como Big Boy e Mr. Funky Santos. Mais entrevistas com figuras importantes da cena pode ser encontrada em www.BrazilSoulPower.com. Este vídeo foi produzido por Thomas Fawcett que bloga no TheCornerMusic.com. (Tradução)

domingo, 1 de maio de 2011

Cântico Negro


"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!


José Régio 

Roberto Piva



Roberto Piva nasceu na cidade de São Paulo em 1937, onde sempre viveu. Desde os anos 1960, é figura marcante na paisagem poética paulistana, através da publicação de poemas em vários meios e da participação pessoal em inúmeros eventos. Piva é um caso particular na poesia brasileira contemporânea. Essa particularidade é a soma de vários aspectos. Não em ordem de importância, há o fato de ele poetizar a cidade de São Paulo, quando a cidade é a grande ausente da poesia paulistana desde o modernismo. Além disso, sua obra surge à mesma época do construtivismo concretista, do qual, de certa forma, Piva é o grande antípoda – ainda mais que a poesia “marginal” carioca, cuja maior representante é Ana Cristina César. A poesia do século XX descende diretamente do simbolismo. É de sua liberdade individualista, desafeita às formas clássicas, que advém tanto as vertentes construtivistas (como o futurismo) quanto as subjetivistas (como o surrealismo). Nos anos 1950, a primeira vertente originaria o concretismo, enquanto a segunda tanto a poesia “marginal” no Brasil quanto a poesia beat nos EUA. Piva, em suma, é um poeta moderno cuja ascendência inclui o simbolismo, a poesia de Whitman, o movimento beat, o jazz, a contracultura dos anos 1970 e os movimentos pelos direitos civis, além da citada temática urbana. Deve-se acrescentar ainda sua relação com a chamada etnopoesia – ligando Piva ao multiculturalismo – através da figura-síntese do xamã, recorrente em sua fase recente. Numa poesia de resto bem menos conhecida do que deveria – é o homossexualismo, e mais genericamente o sexualismo, em que, apenas para ficar na língua portuguesa – deixando então de lado figuras seminais como Kaváfis –, Piva é herdeiro direto do grande e hoje grandemente desconhecido contemporâneo de Fernando Pessoa que foi António Botto.Tudo isso é mais que suficiente para falar da importância e da particularidade (uma alimentando a outra) da poesia de Piva, restando, porém, referir o prazer estético de uma poesia que traz a marca – hoje rara – da oralidade. Como diz Alcir Pécora  – num texto ensaístico que renova a recepção crítica da obra de Piva: “Quando ele a lê, sua poesia se evidencia como verdadeira presença, [...] uma presença física, tensa, temível e arrebatadora, [...] como [se aí] encontrasse sua melhor condição, o ponto forte em que foi nascida, a mais justa freqüência de sua vibração”.

"Provido de uma tal concepção dinâmica da Realidade Poética & da "alucinação das palavras" em termos de Rimbaud, eu atingi  a Poesia visando coroar de Amores em primeiro lugar a Existência. Contra a inibição de consciência da Poesia Oficial Brasileira a serviço do instinto de morte (repressão), minha poesia sempre consistiu num verdadeiro ATO SEXUAL, isto é, uma AGRESSÃO cujo propósito é a mais íntima das uniões.  Acho interessante, neste momento, para melhor configurar o problema da Criação Poética, destacar uma linhas de El arco y la lira de Octavio Paz: "Um estilo artístico é algo vivo, uma contínua invenção dentro de certa direção. Nunca imposta de fora, nascida do impulso criador & das tendências profundas da sociedade, essa direção é até certo ponto imprevisível, como o é o crescimento de ramos de uma árvore. Em troca, o estilo oficial é a negação da espontaneidade criadora (...)"  ROBERTO PIVA
"E também não deve ser negligenciado o fato de que, para Piva, a relação fluída entre a vida e a literatura sempre foi um princípio. Chegou a criar alguns slogans provocadores para expressar sua visão sobre o assunto. "Dante deve ser relido em uma sauna cercado por adolescentes", dispara em um depoimento de 1982. Outro slogan, citado em sua Autobiografia, e que apareceu em diversas entrevistas suas: "Não acredito em poeta experimental que não tenha vida experimental".  DANILO MONTEIRO



Integrou a Antologia dos novíssimos (São Paulo: Massao Ohno, 1961) e 26 poetas hoje (org. Heloísa Buarque de Holanda, Rio: Labor, 1976, 1.a edição / Rio: Aeroplano, 1998, 2.a edição). Publicou os livros de poemas Paranóia (São Paulo: Massao Ohno, 1963 / São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2000, 2a. edição), Piazzas (São Paulo: Massao Ohno, 1964, 1a. edição / São Paulo: Kairós, 1980, 2a. edição), Abra os olhos e diga ah! (São Paulo: Mass ao Ohno, 1975), Coxas (São Paulo: Feira de Poesia, 1979), 20 poemas com brócoli (São Paulo: Massao Ohno/ Roswitha Kempf, 1981), Quizumba (São Paulo: Global, 1983), Antologia poética (Porto Alegre: L&PM, 1985) e Ciclones (São Paulo: Nankin, 1997). Todos esses livros foram reunidos em três volumes publicados pela Editora Globo: Um estrangeiro na legião, Mala na mão & asas pretas e o recém-lançado Estranhos sinais de Saturno.


“A reduzida bibliografia crítica sobre Roberto Piva, apesar dos seus 8 livros publicados desde Paranóia, de 1963, até Ciclones, de 1997, o caracteriza, em um paradoxo, como poeta ao mesmo tempo muito conhecido, porém pouco divulgado e insuficientemente estudado.” (Cláudio Willer)
“O último livro de Roberto Piva – Ciclones – tem todo o vigor da adolescência. [...] O autor parece identificar poesia, beleza, marginalidade e homossexualismo numa mesma construção, de desenho gracioso, de ímpeto dionisíaco, de realização brusca, liberta, ousada”. (Marcelo Coelho)
“Ninguém foi mais rápido no gatilho do que Roberto Piva: no início dos anos 60, ele escreveu Paranóia, um dos retratos poéticos definitivos da metrópole paulistana que emergia e de sua paisagem de morfina, seus arranha-céus de carniça, seus arcanjos de enxofre.” (Jotabê Medeiros)


 Fonte de pesquisa: http://jornaltelescopio.blogspot.com

Ode a Fernando Pessoa

O rádio toca Stravinsky para homens surdos e eu recomponho na minha imaginação
a tua vida triste passada em Lisboa.
Ó Mestre da plenitude da Vida cavalgada em Emoções,
Eu e meus amigos te saudamos!
Onde estarás sentindo agora?
Eu te chamo do meio da multidão com minha voz arrebatada,
A ti, que és também Caeiro, Reis, Tu-mesmo, mas é como Campos que vou
saudar-te, e sei que não ficarás sentido por isso.
Quero oferecer-te o palpitar dos meus dias e noites,
A ti, que escutaste tudo quanto se passou no universo,
Grande Aventureiro do Desconhecido, o canto que me ensinaste foi de libertação.
Quando leio teus poemas, alastra-se pela minh'alma dentro um comichão de
saudade da Grande Vida,
Da Grande Vida batida de sol dos trópicos,
Da Grande Vida de aventuras marítimas salpicada de crimes,
Da grande vida dos piratas, Césares do Mar Antigo.
Teus poemas são gritos alegras de Posse,
Vibração nascida com o Mundo, diálogos contínuos com a Morte,
Amor feito a força com toda Terra.

Sempre levo teus poemas na alma e todos os meus amigos fazem o mesmo.
Sei que não sofres fisicamente pelos que estão doentes de Saudade, mas de
Madrugada; quando exaustos nos sentamos nas praças, Tu estás conosco, eu
sei disso, e te respiramos na brisa.
Quero que venhas compartilhar conosco as orgias da meia-noite, queremos ser
para ti mais do que para o resto do mundo.
Fernando Pessoa, Grande Mestre, em que direção aponta tua loucura esta noite?
Que paisagens são estas?
Quem são estes descabelados com gestos de bailarinos?

Vamos, o subúrbio da cidade espera nossa aventura,
As meninas já abandonaram o sono das famílias,
Adolescentes iletrados nos esperam nos parques.
Vamos com o vento nas folhagens, pelos planetas, cavalgando vaga-lumes cegos até o Infinito.
Nós, tenebrosos vagabundos de São Paulo, te ofertamos em turíbulo para uma
bacanal em espuma e fúria.
Quero violar todas as superfícies e todos os homens da superfície, Vamos viver para além da burguesia triste que domina meu país alegremente
Antropófago.
Todos os desconhecidos se aproximam de nós.
Ah, vamos girar juntos pela cidade, não importa o que faças ou quem sejas, eu te
abraço, vamos!
Alimentar o resto da vida com uma hora de loucura, mandar à merda todos os deveres, chutar os padres quando passarmos por eles nas ruas, amar os
pederastas pelo simples prazer de traí-los depois,
Amar livremente mulheres, adolescentes, desobedecer integralmente uma ordem
por cumprir, numa orgia insaciável e insaciada de todos os propósitos-
Sombra.
Em mim e em Ti todos os ritmos da alma humana, todos os risos, todos os olhares,
todos os passos, os crimes, as fugas, Todos os êxtases sentidos de uma vez,
Todas as vidas vividas num minuto Completo e Eterno,
Eu e Tu, Toda a Vida!
Fernando, vamos ler Kierkegaard e Nietzsche no Jardim Trianon pela manhã,
enquanto as crianças brincam na gangorra ao lado.
Vamos percorrer as vielas do centro aos domingos quando toda a gente decente
dorme, e só adolescentes bêbados e putas encontram-se na noite.
Tu, todas as crianças vivazes e sonolentas,
Carícia obscena que o rapazito de olheiras fez ao companheiro de classe e o
professor não vê;
Tu, o Ampliado, latitude-longitude, Portugal África Brasil Angola Lisboa São
Paulo e o resto do mundo,
Abraçado com Sá-Carneiro pela Rua do Ouro acima, de mãos dadas com Mário de Andrade no Largo do Arouche.
Tu, o rumor dos planaltos, tumulto do tráfego na hora do ¿rush¿, repique dos
sinos de São Bento, hora tristonha do entardecer visto do Viaduto do Chá,
Digo em sussurro teus poemas ao ouvido do Brasil, adolescente moreno empinando papagaios na América.
Vamos ver a luz da Aurora chispando nas janelas dos edifícios, escorrendo pelas
águas do Amazonas, batendo em chapa na caatinga nordestina, debruçando
no Corcovado,
Ouçamos a bossa-nova deitados na palma da mão do Cristo e a batucada vinda
diretamente do coração do morro.
Tu, a selvagem inocência nos beijos dos que se amam,
Tu o desengajado, o repentino, o livre.
Agora, vem comigo ao Bar, e beberemos de tudo nunca passando pela caixa,
Vamos ao Brás beber vinho e comer pizza no Lucas, para depois vomitarmos
tudo de cima da ponte,
Vem comigo, eu te mostrarei tudo: o Largo do Arouche à tarde, o Jardim da Luz
pela manhã, veremos os bondes gingando nos trilhos da Avenida, assaltaremos o Fasano, iremos ver ¿as luzes do Cambuci pelas noites de crime¿,
onde está a menina-moça violada por nós num dia de Chuva e Tédio,
Não te levarei ao Paissandu para não acordarmos o sexo do Mário de Andrade
(ai de nós se ele desperta!),
Mas vamos respirar a Noite do alto da Serra do Mar: quero ver as estrelas refletidas
em teus olhos.
Sobre as crianças que dormem, tuas palavras dormem; eu deles me aproximo e
dou-lhes um beijo familiar na face direita.
Teu canto para mim foi música de redenção,
Para tudo e todos a recíproca atração de Alma e Corpo.
Doce intermediário entre nós e a minha maneira predileta de pecar.
Descartes tomando banho-maria, penso, logo minto, na cidade futura, industrial
e inútil.
Mundo, fruto amadurecido em meus braços arqueados de te embalar,
Resumirei para Ti a minha história:
Venho aos trambolhões pelos séculos,
Encarno todos os fora da lei e todos os desajustados,
Não existe um gangster juvenil preso por roubo e nenhum louco sexual que eu
não acompanhe para ser julgado e condenado;
Desconheço exame de consciência, nunca tive remorsos, sou como um lobo
dissonante nas lonjuras de Deus.
Os que me amam dançam nas sepulturas.
Da vidraça aberta olho as estrelas disseminadas no céu; onde estás, Mestre Fernando?
Foste levar a desobediência aos aplicados meninos do Jardim América?
Dás um lírio para quem fugir de casa?
Grande indisciplinador, é verdade?

Vamos ao norte amar as coisas divinamente rudes.
Vamos lá, Fernando, dançar maxixe na Bahia e beber cerveja até cair com um
baque surdo no centro da Cidade Baixa.
Sabes que há mais vida num beco da Bahia ou num morro carioca do que em
toda São Paulo?
São Paulo, cidade minha, até quando serás o convento do Brasil?
Até teus comunistas são mais puritanos do que padres.
Pardos burocratas de São Paulo, vamos fugir para as praias?
Ó cidade das sempiternas mesmices, quando te racharás ao meio?
Quero cuspir no olho do teu Governador e queimar os troncos medrosos da floresta
humana.
Ó Faculdade de Direito, antro de cavalgaduras eloqüentes da masturbação transferida!
Ó mocidade sufocada nas Igrejas, vamos ao ar puro das manhãs de setembro!
Ó maior parque industrial do Brasil, quando limparei minha bunda em ti?
Fornalha do meu Tédio transbordando até o Espasmo.
Horda de bugres galopando a minha raiva!
Sei que não há horizontes para a minha inquietação sem nexo,
Não me limitem, mercadores!
Quero estar livre no meio do Dilúvio!
Quero beber todos os delírios e todas as loucuras, mais profundamente que
qualquer Deus!
Põe-te daqui para fora, policiamento familiar da alma dos fortes: eu quero ser
como um raio para vós!
Violência sincopada de todos os "boxeurs"!
Brasileira do Chiado em dias de porre de absinto.
Arcabouço de todas as náuseas da vida levada em carícias de Infinito.
Tudo dói na tua alma, Nando, tudo te penetra, e eu sinto contigo o íntimo tédio
de tudo.
Realizarei todos os teus poemas, imaginando como eu seria feliz se pudesse estar
contigo e ser tua Sombra.

Um estrangeiro na legião, Roberto Piva (1962)